Crime organizado está espalhado por todos os setores no Brasil

O maranhense, escritor e jornalista, José Louzeiro atuou como repórter de polícia durante vinte e cinco anos dos quarenta dedicados ao jornalismo. Neste tempo, passou pela redação de quatorze jornais no Rio e alguns em São Paulo.

Foi como repórter policial que o escritor percebeu as diferenças sociais e falta de horizontes da parte dos mais pobres e escreveu um de seus livros mais famosos, Pixote, A Infância dos Mortos, no qual o cineasta Hector Babenco se baseou para filmar Pixote, sucesso de público e crítica.

Louzeiro é autor de mais de quarenta livros e criador, no Brasil, do gênero romance-reportagem. Entre suas obras estão: Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia; O Caso Cláudia; O Homem da Capa Preta; Araceli, Meu Amor; Em Carne Viva e Praça das Dores.

Crítico e inquieto, José Louzeiro já participou de várias entidades no Rio, entre elas foi presidente do Sindicato dos Escritores do RJ e vice-presidente da Funarj — Fundação de Artes do RJ. Atualmente é membro da Academia Maranhense de Letras; diretor cultural do Sbart — Sociedade Brasileira de Autores Teatrais e vice-presidente do Sindicato dos Escritores do RJ.

Ouvido por A Nova Democracia sobre o Crime Organizado, José Louzeiro o separou em dois setores: crime organizado armado, que compreende os bandidos e traficantes com revól-veres nas mãos e crime organizado desarmado, que agrupa os que estão por trás desses traficantes e os que fazem parte de toda sorte de roubo e contravenção, como os atravessadores, políticos corruptos e criminosos de todo tipo. Para ele, esses são os que verdadeiramente favorecem a existência de toda a miséria, somando-se ao bandido armado.

O CRIME ORGANIZADO ARMADO

"É bom falarmos de crime organizado partindo dos primórdios. Quando trabalhava como repórter de polícia no Rio, pelo início da década de 50, o banditismo no Brasil era algo primário, não sendo difícil aparecer notícias nos jornais do tipo "assalto a fulano, mas os rapazes que estavam com o revólver na mão tremiam muito...", enfim, delinqüentes primários.

A coisa começou a mudar a partir do golpe militar de 1964, depois que esses ganharam armas para dar tiros em comunistas. Como exemplo, na ocasião existia um grupo de delinqüentes que morava em Vassouras, RJ, a família do Júlio Avelino. Na época do golpe, o velho Avelino e todos os seus filhos, e eram cerca de seis, ganharam revólveres e metralhadoras, para matar comunistas, e muitos outros bandidos foram chamados para ter o mesmo benefício.

O poder paralelo ou Estado dentro de outro Estado não existem. 

O que existe é um único Estado corrompido

Mais tarde começaram a prender os possíveis comunistas, entre eles professores, escritores, jornalistas e, em uma tentativa de desmoralizá-los perante a sociedade, os colocaram misturados aos delinqüentes. 

O problema é que essa tentativa de desmoralização dos comunistas custou caro à polícia, porque, em contato com essas pessoas de nível intelectual mais alto e grande conscientização política e resistência às autoridades massacrantes, os delinqüentes deturparam completamente os ideais de luta dos comunistas, mas aproveitaram os seus conceitos de organização e resistência.

Sendo assim, descobriram que a melhor maneira de lutar contra os maus tratos dados pelos policiais, que os torturavam, era politicamente, se organizando em grupos para fazer frente a`esses, que os massacravam. Desta idéia, dois presos famosos na época: o Saldanha, apelidado de Bigode e o Wiliam da Silva Lima, criaram o Comando Vermelho, uma instituição destinada a matar os policiais que torturassem os presos. A atuação do Comando Vermelho foi tamanha que as pancadarias nos presos, dentro do presídio, começaram a diminuir.

Não parando de crescer, o Comando Vermelho acabou de gerar, em São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capital), que já está gerando outros comandos no Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e outros lugares.

A partir da criação destes comandos, o crime passou a ser organizado e com a ajuda do tráfico de armas, e dos barões das drogas, esse delinqüente do morro, que começou a vender maconha, chegou na cocaína e já está indo para o ópio, se armou e profissionalizou.

Vemos pessoas importantes nas leis e na política falando em poder paralelo e que este está começando a tomar uma posição muito grande dentro do Estado Legal, se é que assim podemos dizer, porque esse Estado nunca foi legal com os mais pobres, na verdade, está pouco ligando para eles.

A facilidade com que se importam armas no Brasil é muito grande. Para se ter uma idéia, há uns três anos, aconteceu um escândalo envolvendo colecionadores de armas e foram descobertas pessoas que, usando o título de colecionadores, possuíam de três a quatro mil armas.

Policiais pobres matam bandidos pobres, são miseráveis iguais, apenas um fardado e outro sem farda.

Essas armas só podem vir de aviões e de navios; pelo correio não vem. O avião tem fiscalização no aeroporto e o navio também. No entanto, chegam armas poderosíssimas nas mãos dos delinqüentes e quem facilita é o próprio Estado, que hoje parece uma cobra mordendo a própria cauda. Se fosse uma questão de poder paralelo e Estado dentro de outro, essas armas não chegariam nas mãos dos traficantes, porque não passariam pelo primeiro Estado.

O que existe, na verdade, é que dentro das comunidades existem as suas próprias leis. Entre os comandos de droga, por exemplo, há lei de morte para aquele que trai. Isso aparece claramente no filme Cidade de Deus, em cartaz no momento. Em uma das cenas, aparece um caso verídico, quando doze garotos foram descobertos adulterando a cocaína e por conta disso, o chefão do tráfico deu um tiro nas mãos de cada um e quem chorasse morreria. No filme aparecem somente dois meninos, mas na realidade foram doze.

Além de justiceiro, o traficante costuma fazer o papel de protetor dos moradores do morro. Durante o meu tempo de repórter policial, cansei de ver traficantes socorrendo moradores que passavam mal, principalmente mãe às voltas para ter os seus filhos, mandando para uma boa clínica e pagando toda a conta. Ou seja, fazendo o papel que deveria ser do Estado, através do serviço público gratuito de boa qualidade.

A grande rivalidade que existe entre policiais brasileiros e bandidos do morro poderia diminuir caso se conscientizassem de uma realidade: os dois são pobres e se matam sem que o sistema se importe com isso. Policial e bandido ficam nas ruas se esfacelando e morrem no mesmo lugar. Enquanto isso, os burgueses não são tocados e ficam de longe vendo tudo. Quem morre com essa violência, geralmente, são pessoas da classe média e operária, quando, raramente, acontece algo com um burguês, torna-se um escândalo.

Neste mundo capitalista, continua-se jogando com o sacrifício de muitos, como sempre aconteceu. Os próprios bancos contribuem com a crueldade do Estado com os mais pobres, através das suas constantes especulações. Quando encontram dificuldades o governo derrama dinheiro, já a pequena empresa não tem essa sorte e vai a falência. Repare, por exemplo, que existem muitas condições de financiamentos para se adquirir um carro, ao mesmo tempo, para comprar a casa do operário, que normalmente custa o preço de um carro, não há financiamento descente e, muitas vezes, ele morre sem ter um lugar para morar.

Diante de uma situação desta, volto à questão dos morros e lembro que muitos meninos são atraídos para o tráfico pela possibilidade de ganhar dinheiro. O filho de um pedreiro, por exemplo, vê o pai receber 300 reais por mês, e tem a possibilidade de ganhar mais que ele trabalhando como olheiro e entregador de drogas. Quando morre surge outro, porque, juntamente com os traficantes e policiais, são facilmente substituídos.

UM CRIME MUITO BEM ORGANIZADO

É ingenuidade atribuirmos toda a culpa do tráfico de drogas a um mero bandido de morro, porque, normalmente, um rapaz deste não tem poder de convencimento para que os barões da cocaína lhe mandem trinta milhões de drogas, por exemplo.

Não são eles que entram em contato com as grandes fontes fornecedoras de drogas da Colômbia e também não conseguem fazer armas diversas, de todo porte, passar livremente pelos aeroportos e portos das cidades. Essa droga vem através de pessoas poderosas e com credibilidade.

Existe o crime organizado armado e desarmado. A caneta é uma das principais armas nesse país

A polícia fica a dar tiros no "Zezinho Perna-torta" do morro, enquanto os barões da cocaína têm os seus representantes instalados aqui dentro, no topo da pirâmide deste crime organizado.

Além disso, devemos lembrar que quem compra cocaína, em sua maioria, é a classe média alta e burguesia. Então não se pode falar de crime organizado como quem fala de filme B.

O CRIME ORGANIZADO DESARMADO, DE REVÓLVERES, FUZIS E METRALHADORAS

Além dos traficantes de armas, não podemos deixar de falar do crime organizado desarmado, sem citar os atravessadores, uma das piores e mais bem organizadas quadrilhas. Trata-se de umas pessoas, muito bem amparadas, que vão até o agricultor e estabelecem o preço da saca. Caso este não aceite, sua produção apodrece, porque ninguém comprará. Sendo assim, na próxima colheita, o pobre agricultor aceitará a oferta.

Na verdade, o velho Júlio Avelino, bandido já citado, era um atravessador, porque comprava todo o leite da sua região e revendia. Seus crimes, por isso, não apareciam.

Esses criminosos estão em todo tipo de produto agrícola, frutas, verduras e legumes. Também na pescaria, estabelecendo o preço do peixe que acaba de ser pescado e na carne, comprando o gado a preços baixos e muito diferentes dos que chegam ao consumidor.

O atravessador talvez seja um dos piores criminosos que exista.

O atravessador é um grande bandido, não faz nada, apenas tem condições de explorar pessoas de maneira selvagem. Podemos dizer que é interesse do Estado acabar com eles, mas nada fazem para que isso aconteça. 

Enquanto muitos só enxergam o traficante do morro como criminoso organizado, o crime organizado vem entregando esse país nas mãos de estrangeiros. Depois de comprar toda a produção dos agricultores, os atravessadores colocam tudo em cima de um caminhão Mercedes Benz, com pneus Pirelli, porque o país acabou com as ferrovias, e aqui no Rio de Janeiro, também com o porto, e partem para abastecer as cidades. Lembremos que cada dia esses caminhões, de indústrias internacionais, precisam de mais pneus, também de multinacionais, enquanto que o transporte por via férrea, que sairia muito mais barato, acabou. Com isso, vemos o quanto o crime é organizado. 

Além dos atravessadores, temos muitas outras máfias, como a dos remédios, onde os laboratórios, todos estrangeiros, fazem o que querem com os medicamentos que chegam até a população. Há alguns anos, houve um caso de anticoncepcional que era, na verdade, de farinha. O laboratório foi multado, mas até hoje não pagou a multa. Além dessa, tem a máfia da alimentação, com os alimentos contaminados que chegam nas nossas mesas. Hoje encontramos bananas, tomates e tangerinas, entre outros, que praticamente dobraram de tamanho e isso não foi feito de forma natural, e sim forçada por químicas.

Enquanto os alimentos estão aumentando, os produtos estão diminuindo dentro das embalagens. É comum encontrarmos pastas de dentes, latas de leite, remédios e outros, que parecem já terem sido usados antes de abrirmos. É roubo em tudo. A máfia dos planos de saúde, também é algo terrível. Se alguém passar mal e não tiver um plano desses, está em difícil situação. Os hospitais do estado não funcionam para privilegiar esses grupos, porque, se o serviço hospitalar público fosse bom, ninguém pagaria para ser atendido. Hoje a rede hospitalar pública é deficitária e o curioso é que houve um tempo em que o país era mais pobre e esta funcionava bem.

Até com a morte o crime organizado tem lucrado, através da máfia dos enterros caríssimos e cemitérios pertencentes a hospitais. Ou seja, se não for daquele hospital não pode ser enterrado em tal cemitério. É um comércio alucinado. Um outro crime terrível é o tráfico de órgãos de crianças e jovens, para transplante. Todos os dias somem crianças neste país. Alguns jornais publicam diariamente fotos de meninos e meninas desaparecidos e não há nenhum setor da polícia para procurá-los e nenhuma investigação para saber quem compra esses órgãos e como saem do país.

São os quadrilheiros que forçam essa miséria que está aí.

O Brasil é também um dos países onde mais se trafica mulheres no mundo, que saem daqui, na maioria dos casos, iludidas com uma chance de ganhar dinheiro e nunca mais aparecem ou dão qualquer notícia para as famílias.

Esses são alguns exemplos, tem também as máfias do ensino, o tráfico de influências e muitos outros. Cada setor deste está dando dinheiro para alguém, fazendo com que o Brasil esteja inteiramente asfixiado pelo crime organizado de várias gradações, com ou sem arma, fazendo com que cheguemos à conclusão de que no topo deste sujeita está a classe política, com algumas raras exceções.

Quanto a isso não se faz nenhuma investigação. Um político é afastado e daqui a pouco está de volta. É um crime organizadíssimo e sem punição. Não tem cadeia para rico neste país, apenas, vez ou outra, aparece um juiz "Lalau", que fica retido como uma espécie de vitrine de justiça.

São vigaristas que se elegem, vão para Brasília, e não fazem coisa alguma para melhorar a situação do país, ao contrário, estão mancomunados com tudo isso. Não quer dizer que sejam todos, mas são quase todos.

Diante disto tudo, o delinqüente com arma na mão é mais honesto, porque, além de jogar com a vida das pessoas, está jogando com a sua própria vida.

Fonte: A Nova Democracia/José Louzeiro

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