O sapo Chinês

O sapo Chinês

Sonho… Essa é a primeira palavra que me vem à cabeça quando penso em Charles, ele era forte, astuto, um pouco esforçado… Ele era um sapo… Um sapo sonhador, melhor dizer assim. Talvez você, ao ler estas linhas, poderia tentar imaginar como era esse pequeno sapo, acho pouco provável que acerte, não era um sapo comum, não era um desses que a gente encontra na rua, ele era um pouco mais humano.

Todos os dias que o vi, Charles estava conversando com sua amiga, a qual chamava de Lady Clér, uma pedra pequena e insignificante que escondia uma beleza notável. Morava nas margens do rio Flan, perto da casa do primo de Charles, mas que não ficava muito longe da sua. O sapinho e a linda pedra adoravam conversar, passavam tardes inteiras juntos, falavam sobre tudo, moscas, vermes, coisas saborosas como essas, porém, tinha um assunto no qual, segundo me falavam, no qual eles sempre paravam e pensavam, eles se indagavam sobre o que os rodeava e debatiam-se ao perguntar, um ao outro, qual o sentido da vida? Talvez essa seja um pergunta cruel de mais para aqueles dois amigos, pelo que sei, eles logo mudavam de assunto, ao saber que não seria eles quem responderia essa maldição de esfinge.

Num dia de segunda, estavam eles no fim da tarde, como de costume conversando, chegaram ao velho ponto da velha pergunta, pensaram e decidiram ir mais além, tentar procurar um pouco mais de respostas. À direita do lado Flan, onde Lady Clér morava, existia um montanha muito alta, tão alta que impressionava a todos que ali moravam, imaginaram então que o sentido da vida estivesse no topo daquela imensa montanha, para se saber a resposta, caberia apenas alguém subi-la, Chamaram mais amigos para um possível escalada, eles imaginaram convocar um grupo, mas ninguém se importou, achou loucura escalar aquela montanha, entoa, restou apenas à Charles a tarefa, Lady Clér até que tentou ir junto com ele, mas seria um peso a mais para o pobre sapinho, então, Charles subiria sozinho.

Era para os preparativos durarem uma semana, porém, não durou três dias, a ansiedade mesclava com a curiosidade do que poderia existir no alto daquele monte de terra. Pronto, tudo acertado, precauções feitas, fizeram suas preces, suas orações, despediram-se e não mais que de repente saiu o sapo sonhador em busca da grande resposta.

A jornada começou, mais ou menos, duas horas da tarde quando, forte e confiante de que nenhum perigo aconteceria – imagino que sua ansiedade era tamanha que deve ter ido o mais rápido possível – já tinha se passado três horas e muitos e muitos metros. Chegando a um certo ponto, Charles deparou-se com uma caverna, já estava cansado, observou em volta e notou que só poderia seguir sua jornada se entrasse naquela caverna, medo ele tinha, é claro, mas o que poderia fazer, era entrar ou voltar, era uma caverna muito escura e longa, ele seguia tocando em suas paredes para poder se guiar, com uma coragem que não se sabia de onde vinha, foi indo caverna à dentro, quando – num susto – encontrou uma porta, ele a examinou por alguns instantes e, sem demora, bateu. Bateu por um bom tempo, até que algo a abriu, era um homem alto, voz consoladora, cabelos brancos, o pequeno sapo ficou impressionado, pois, nunca tinha visto um homem de tão perto ou que morasse naquela montanha, com voz trêmula começou:

– Olá meu bom homem, estou subindo essa montanha, porém, não conseguirei continuar se não passar por sua caverna, por favor, peço-lhes que me deixe passar. Falava de cabeça baixa.
– Calma, amigo, claro que deixarei você passar, te ajudarei e não se intimide entre, por favor, falava enquanto acenava para Charles entrar na caverna. Vejo também que está cansado, continuava, Por favor, acompanhe-me no jantar, ficarei honrado.
– estou com fome e cansado, por isso, não recusarei seu convite, obrigado, mas como o senhor se chama?
– Pensei que não fosse perguntar, meu nome é Nelson Mandela, e você, como se chama?
– Me chamo Charles, somente Charles.
– Diga-me Charles, o que faz você, um sapo tão pequeno, escalar uma montanha tão alta?
– Estou atrás de uma resposta!
– Que tipo de resposta, filho, qual a pergunta. Talvez eu possa te ajudar, falava Mandela com um interesse cada vez maior.
– Se o senhor sabe, meu bom homem, por obséquio, diga-me para que minha viagem seja mais curta, estou atrás do sentido da vida, creio eu que encontrarei no alto da montanha a resposta.
– É, realmente é uma pergunta muito interessante, porém, eu sei respondê-la. Falava altivamente.
– Como, então diga-me. Interessou-se Charles.
– O sentido da vida é a LIBERDADE, o sentido da vida é a vida meu rapaz.
– Como assim? Perguntou Charles.
– Vamos pense comigo, durante 27 anos estive preso, almejei a liberdade, sonhei com a liberdade do meu povo, hoje que a consegui, tenho nas minhas mãos o sentido à minha existência.
– É um ponto de vista senhor Mandela, exclamou Charles, porém, eu sou livre e ainda sim não encontro sentido para a vida.
– Muito bem rapaz, entendo-te, acho que não te ajudei como queria, mas tenho certeza que, no decorrer da sua viagem, achará uma resposta suficiente, boa sorte, falavam enquanto jantavam. Após o jantar, Mandela convidou Charles para dormir, que recusou.

Despedida feita, Charles saiu da caverna pelo quarto onde Mandela lhe mostrou, sendo esse o único caminho para continuar a viagem, ele subiu mais alguns metros até começar a chover muito forte, uma verdadeira tempestade, o sapinho se abrigou numa pequena e rasa gruta, lá ele passou a noite até cessar a chuvarada, teve frio e medo e, é claro, um grande remorso por não ter dormido na casa daquele homem. Ele se sentiu preso, impossibilitado em continuar, pensou então em liberdade.

Passado a noite inteira, ele acordou quando o céu não tinha nenhuma nuvem chuvosa, comeu algumas moscas, e retornou a caminhar, andou uma tarde inteira até encontrar outra caverna, sem pensar muito, pois sabia que era o único modo de prosseguir em viagem, entrou sem hesitar, contando com suas experiências em cavernas, como da noite passada, ele andava adentro até encontrar outra porta, maior que a anterior, olhou por alguns segundos, acho que Charles estava com muito medo, mas não queria transparecer, bateu e algum tempo depois foi atendido, era um homem alto e estranho, lunático, olhou fixamente para Charles, de cima a baixo – que ficou constrangido – e perguntou:
– Acaso não vistes por aí meu amigo?
– Que amigo, espantou–se o sapo.
– Um príncipe…!
– Não, nunca vi um príncipe de perto, desculpou-se.
-Ah sim (…) Quem é você? Exclamou o homem.
– Sou Charles, o sapo, e você, quem é?
– Chamo-me Antoine de Saint-Exupéry, o que faz a essa hora da manhã em minha casa? Digo, desculpe, onde estão meus bons modos, por favor, entre Charles, acrescentou Exupéry.
– Obrigado, desculpe incomodá-lo a esta hora é que eu sou um viajante e estou escalando essa montanha, porém, não conseguirei continuar minha viagem se não passar por sua caverna, por isso, peço-lhe que me deixe passar…
– Ah Claro, vou te ensinar o caminho que leva ao topo da montanha, mas com uma condição, que você fique para almoçar, Charles, prontamente, aceitou, pois estava com muita fome. Enquanto almoçavam, Exupéry perguntou:
– Diga-me, o que faz um sapo tão pequeno, escalar uma montanha tão alta?
– Estou atrás de uma resposta!
– Que tipo de resposta, conte-me. Interessava-se Exupéry.
– Se o senhor sabe, por favor, diga-me para que minha viagem seja mais curta, eu quero saber qual o sentido da vida e acredito que a resposta esteja no topo da montanha.
– Essa é a pergunta, então sua jornada está acabada, eu sei qual o sentido da vida, falava Exupéry com tom heróico,.
– Então, por favor, diga-me, respondeu Charles.
– Essa é fácil, o sentido da vida é AMIZADE.
– Entendo, respondeu Charles, mas não creio que essa seja a resposta, pois tenho uma grande amiga e nisso não vejo o sentido da vida. Respondeu o sapo de imediato.
– Mas então, por que você acha que a resposta está no topo da montanha.
– Eu não sei, eu apenas sinto, falava Charles.
(…)
– Muito interessante, falou Exupéry, poderia fazer um favor pra mim, quando souber a resposta venha aqui em casa, tudo bem? Pra me dizer.
– Sim virei. E continuavam a almoçar, cativaram-se. Depois de algum tempo Charles despediu-se:
– Obrigado amigo, voltarei em alguns dias e lhe contar a resposta.
– Adeus, disse o homem, faça também só mais um favor pra mim, quando chegar lá em cima olhe para o céu e veja se o carneiro comeu ou não a flor, obrigado.

Charles ouviu, mas não entendeu, também não perguntou, entrou apressadamente onde Exupéry tinha lhe ensinado, depois de escalar mais e mais forte, totalmente determinado, viu de longe uma cobra, sentiu medo e se escondeu, ficou por varias horas, momentos intermináveis, sentiu-se só, nunca quisera tanto que sua amiga estivesse por perto. Ali, ele deu um novo sentido à amizade, até adormecer. No outro dia de manha a cobra já tinha ido embora, Charles respirou bem fundo e correu, depois de tanto correr, já quase chegando no topo, avistou uma casa, muito simples, de palha e que não oferecia muita segurança, Charles poderia facilmente passar sem entrar, pois tinha um caminho que iria em direção ao topo da montanha, mas, como viu que estava muito perto, decidiu bater na porta, só por curiosidade, batia e batia mas ninguém respondia, já impaciente resolveu ir embora, quando já estava se afastando, um homem veio em sua direção, estatura mediana, velho e muito pensativo, Charles o via mas não falava nada – ele devia estar surpreso – o homem se aproximou até tocar seus ombros:
– Pode falar garoto, que faz, um sapo vir até minha casa?
– Desculpe senhor, me desculpe, desculpe. Falava Charles com grande nervosismo.
– Por favor, não fique nervoso, não me deixe sem jeito, vamos até minha casa, falava o homem enquanto segurava seu ombro em direção à sua casa, ela era modesta e sem muitos atrativos, o sapo comeu e bebeu de tudo o que ele tinha posto na mesa.
– Diga me, querido sapo, você tem nome, qual?
– Meu nome é Charles, senhor!
(…)
Oh sim, se queres saber, o meu é William Shakespeare, e continuou, o que faz nesse lado tão alto da montanha?
– Estou atrás de uma resposta.
– Que tipo de resposta, talvez eu possa ajudá-lo.
– Desculpe, não acho que o senhor possa me ajudar, o que procuro, a resposta que procuro está somente no alto dessa montanha, o que estou atrás é de qual o sentido da vida? Essa é a pergunta.
– Muito bem, acho que você não terá mais que seguir viagem, eu sei a sua resposta. Falava presunçosamente Shakespeare,
– Então me diga, e direi se é verdadeira sua resposta. Contrapôs o sapo.
– O sentido da vida é o AMOR, o grande sentido da vida é entregar-se ao amor, sem ele, você não encontrará sentido algum à vida.
(…)
-(por um momento Charles ficou pensativo) e se desculpou:
– Não senhor, acho que essa não é a resposta, conheço pessoas que amam, e mesmo assim enfrentam problemas, e, muitas vezes, não se sentem felizes, continuava o sapo, já vou embora, quero chegar ao topo antes do anoitecer.
– Tudo bem garoto, boa sorte, espero que descubra sua resposta, e que depois que a encontrar, venha aqui em casa para me contar. Gritava o homem enquanto Charles saía correndo.
– Tudo bem, eu vou voltar… Respondia Charles, correndo o mais rápido possível pela montanha sem olhar pra trás. Nesse momento, acho que Charles já tinha esquecido completamente as dores e os incômodos, acho que naquele momento, finalmente, ele tinha achado a resposta.

Inevitavelmente, Charles já se sentia só, seguindo rumo à montanha, ele viu uma pedra, que por alguns segundos, delirou, achando ser sua amiga, não estava acostumado a sentir-se só, pensava e pensava, e tentava imaginar como ela estaria. Quando finalmente avistou o alto da montanha, olhou fixamente, até resolver subir, eram mais ou menos uns cinco metros, ele já não ligava para o cansaço, apenas, alegrava-se, quando subiu, olhou por alguns momentos ao redor, à primeira vista não viu nada de interessante, apenas um lugarzinho pequeno, cheio de altos e baixos, sem nenhuma flor, de repente, se enfureceu, correu por todo o lugar, revirando pedras, procurando a resposta, fez isso até cansar, sentou numa pedra, a vista de lá de cima era deslumbrante, mas ele nem atentou para isso, montou sua barraca, e decidiu ficar lá por alguns dias, comeu, e foi dormir, ficou inquieto por um bom tempo, sem conseguir, e começou a refletir, se lembrou dos homens que encontrou pelo caminho, lembrou-se de Lady Clér, e pensava no que o trouxe à aquele lugar, sua busca por uma resposta que nem existia, até que adormeceu, a noite toda, ficou virando pela barraca, até que um pouco antes do sol nascer, acordou, ficou sentado, olhando como o sol nascia lá de cima, enquanto o sol não vinha ele pensava como era sua vida lá em baixo, de como era livre, de como era viver com amigos, de como era bom amar. Então percebeu que aqueles homens estavam certos, o sentido da vida está nesses três elementos, caiu em alegria e felicidade, sentiu-se renovado novamente, como no início.

Apressadamente, decidiu voltar, logo, desceu até a casa do velho homem que ele havia encontrado, porém, encontrou apenas uma casa abandonada, velha, como se a vários anos não estivesse passado ninguém ali, correu em direção a caverna do segundo homem, andou e andou até entrar pelo buraco da caverna, e, mais uma vez, ele encontrou apenas uma paredes mal feitas, cheio de teias de aranha, sem móveis, sem porta, sua decepção era visível. Depois de mais três horas correndo chegou a primeira caverna, lembrou do homem que falava sobre liberdade, e encontrou apenas uma caverna abandonada, era como se nunca tivesse alguém entrado lá, ele ficou sem saber o que fazer, não conseguia compreender, existia uma apertura em seu coração, correu mais, até ficar de noite, onde, finalmente, chegou a terra, havia demorado três dias pra subir e menos de um para descer, correu onde sua amiga, que estava dormindo, olhou por alguns momentos e a acordou:

– Acorde minha amiga, falava ele sem fôlego, seu amigo Charles voltou.
– Charles, é você, finalmente voltou, estava com tanta saudade, por que demorou tanto, estava preocupada, conte-me, conseguiu chegar ao topo? Achou a resposta?
– Sim consegui, falou o sapo ainda visivelmente cansado.
– Então me diga… Charles então contou tudo o que tinha acontecido deixando Lady Clér curiosa e maravilhada, ela entendeu a resposta.

Hoje eles não fazem mais essa resposta, entendem que o sentido da vida não está numa só palavra, mas, em pequenas coisas que nos tornam felizes. Se você, algum dia, estiver passando pelo lago Flan, procure esses dois, com certeza eles estarão lá, pergunte sobre essa história que contei à você, eles terão o maior prazer em recontar, e então você verá que o sentido da vida é muito maior que possas imaginar, olhe pra tudo o que tem, e seja mais feliz. E mais uma coisa, dê lembranças minhas à eles, diga que estou com saudades.

Chapadinha – MA 2004

Dewis Caldas

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