Não é a última palavra!…

Não é a última palavra!…

Nicholas Orloff ajustou o monóculo no olho esquerdo, com toda a incorruptível britanicidade de um russo educado em Oxford e disse acusadoramente: – Mas, meu caso Sr. Secretário! Meio bilhão de dólares!

Leo Birman deu de ombros, com o ar de cansaço, deixando o corpo magro afundar-se mais na cadeira. – A verba tem de ser aprovada, Comissário. O governo Provincial, aqui em Ganimedes, está ficando desesperado. Até agora tenho conseguido segurá-los, mas, como secretário de assuntos científicos, meus poderes são reduzidos.
– Eu sei, mas… – Orloff abriu as mãos, como querendo mostrar sua impotência.
– Suponho que seja assim – concordou Birmam. – O governo do Império acha mais fácil olhar para outro lado. Tem feito isso, constantemente, até agora. Há mais de um ano que tento fazê-los compreender a natureza do perigo que paira sobre todo o Sistema, mas parece que isso não pode ser feito. Por isso estou apelando para o senhor, Senhor Comissário. O senhor é novo no posto e pode encarar este assunto jupiteriano com olhos isentos de preconceitos.

Orloff tossiu e olhou para a ponta de suas botas. Em três meses, desde que sucedera a Gridley como comissário colonial, fizera entrar em discussão tudo o que se relacionava com “esses malditos jupiterianos”. Isso fora de acordo com a política do gabinete já estabelecida, que rotulara o caso jupiteriano como “amolação”, muito antes de ele ter tomado posse.

Mas agora que Ganimedes estava ficando importuna, fora enviado a Jovópolis, com instruções de pôr os “malditos provincianos” no seu lugar. Era uma situação desagradável.

Birmam estava falando: – O governo Provincial chegou ao ponto em que, de fato, precisa tanto de dinheiro, que se não o conseguir vai levar tudo a público.

A fleuma de Orloff desapareceu completamente. Apanhou o monóculo quando este se desprendeu do olho. – Meu caro senhor! – exclamou.

– Sei o que isso significaria. Tenho me pronunciado contra isso, mas eles têm razão. Uma vez que o caso jupiteriano seja divulgado, uma vez que o público tomar conhecimento, o governo do Império não se agüentará lá em cima nem uma semana. E quando os Tecnocratas tomarem o poder, eles nos darão o que pedirmos. A opinião pública se encarregará disso!
– Mas, também criarão pânico e histeria…
– Certamente! E é por isso que hesitamos. Mas o senhor poderá chamar isto de um ultimato. Nós queremos sigilo, precisamos de sigilo, mas precisamos de dinheiro, ainda mais.
– Compreendo. – Orloff estava pensando com rapidez e as conclusões que tirou não foram agradáveis. – Nesse caso – disse – , seria aconselhável investigar o assunto mais um pouco. Se tiver os documentos referentes às comunicações com Júpiter…
– Eu os tenho – retrucou Birmam secamente – , e também os tem o governo Imperial em Washington. Isso não adianta, Comissário. Isso já foi ruminado por funcionários da Terra nesse último ano e não nos levou a parte alguma. Quero que venha comigo até a Estação Ether.

O ganimediano levantara-se da cadeira e, do alto dos seus dois metros, olhava com intensidade e fúria para Orloff.

Este corou. – Está me dando ordens? – perguntou.
– De um certo modo, sim… Digo-lhe que não há tempo. Se tiver intenção de agir, deve fazê-lo rapidamente ou então não faça nada. – Birmam fez uma pausa e acrescentou: – Não se importa de caminhar, espero. Os veículos elétricos, em geral, estão proibidos de se aproximar da Estação Ether e poderei aproveitar a caminhada para explicar alguns dos fatos. Fica apenas a uns três quilômetros.
– Posso caminhar – foi a resposta seca.

A subida, até o nível do subsolo, foi feita em silêncio, só quebrado por Orloff quando entraram na ante=sala fracamente iluminada.
– Está bem frio aqui.
– Eu sei. É difícil manter a temperatura normal tão perto da superfície. Mas estará mais frio lá fora. Veja!

Com um pontapé Birmam abrira a porta de um armário e apontava para os trajes dependurados no teto. – Vista-os.

Vai precisar deles.

Orloff examinou-os com ar de dúvida. – São suficientemente pesados?

Birmam respondeu, enquanto se metia na sua roupa: – São aquecidos eletricamente. Vai achá-los suficientemente quentes. Isso mesmo! Meta as pernas das calças dentro das botas e aperte os cordões, bem apertados.

Voltou-se e, então, com um resmundo, apanhou um par de cilindros de gás comprimido da sua prateleira, num canto do armário. Verificou o dial e depois abriu o registro. Ouviu-se o silvo fininho do gás que escapava e, com isso, Birmam deu um suspiro de alívio.
– Sabe como fazer um destes negócios funcionar? – perguntou, quando atarraxava, no orifício da jaqueta, um tubo flexível de malha de metal, em cuja outra extremidade havia um curioso objeto curvo de vidro transparente.
– O que é isso?
– Um bocal de oxigênio! O que existe na atmosfera em Ganimedes é composto de argônio e nitrogênio – quase meio a meio. Não é, particularmente, respirável. – Levantou o par de cilindros, colocou-os nas costas de Orloff e apertou as correias.

Orloff cambaleou. – É pesado – disse. – Não poderei andar três quilômetros com isto!
– Não será pesado lá fora – respondeu Birmam, com indiferença, apontando para cima e abaixando o bocal por cima da cabeça de Orloff. – Apenas lembre-se de inspirar pelo nariz, expirar pela boca e não terá dificuldades. E, por falar nisso, o senhor comeu nas últimas horas?
– Almocei antes de vir até o seu gabinete.

Birmam fungou, hesitando. – Bem… isto torna as coisas um pouco difíceis. – Tirou, de um dos bolsos, uma caixinha de metal e jogou-a para o comissário. – Ponha uma dessas pílulas na boca e fique chupando.

Orloff trabalhou, desajeitado, com os dedos enluvados, para abrir a caixa; finalmente conseguiu pegar uma pequena esfera e metê-la na boca. Seguiu Birmam por uma rampa, suavemente inclinada. O fundo do beco – que era um corredor – deslizou silenciosamente quando o alcançaram e ouviu-se um sussurro, quando o ar fugiu para a atmosfera mais rala de Ganimedes.

Birnam pegou o cotovelo do comissário, quase arrastando-o para fora.
– Abri os tanques ao máximo! – gritou. – Respire fundo e continue chupando essa pílula.

A gravidade voltara ao normal ganimediano, quando cruzaram o limiar e Orloff, depois de um horrível momento de aparente levitação, sentiu o estômago dar uma cambalhota e explodir.

Engasgou e remexeu a pílula dentro da boca com a língua, numa desesperada tentativa de controlar-se. A mistura rica de oxigênio, que saia dos cilindros, queimou sua garganta e, finalmente, Ganimedes firmou-se. Seu estômago voltou, estremecendo, para o lugar. Tentou andar.
– Vá com calma – disse Birnam, com voz tranqüila. – Produz esse efeito as primeiras vezes que o senhor muda de campos gravitacionais com muita rapidez. Ande devagar e pegue o ritmo ou levará um tombo. Isso mesmo, o senhor está pegando o jeito agora.

O chão parecia elástico. Orloff podia sentir a pressão do braço do seu companheiro, que o empurrava para baixo a cada passo, para evitar que pulasse muito alto. Agora, as passadas eram mais longas – e mais baixas – à medida que ele pegava o ritmo. Birnam continuou falando, a voz um pouco abafada, atrás da aba de couro, meio solta, que lhe cobria a boca e o queixo.
– Cada um no seu mundo – disse sorrindo. – Visitei a Terra, com minha mulher, há alguns anos atrás e passamos maus bocados. Não conseguíamos aprender a andar na superfície do planeta, sem uma máscara. Engasgava, realmente, engasgava. A luz do sol era brilhante demais, o céu azul demais e a grama verde demais. E os prédios todos eram acima da superfície. Nunca vou esquecer quando tentaram levar-me para dormir num quarto, vinte andares no ar, com a janela escancarada e a lua brilhando para dentro do aposento. Voltei na primeira nave espacial que passou e espero nunca mais voltar. Como se sente agora?
– Ótimo! Esplêndido! – Agora, que o primeiro desconforto desaparecera, Orloff acou a baixa gravidade estimulante.

Olhou em volta. O terreno ondulante e acidentado, banhado de uma luz amarela, estava coberto de arbustos atarracados, com folhas largas que demonstravam uma disposição ordenada e cuidadoso cultivo.

Birnam respondeu a pergunta não formulada: – Há suficiente dióxido de carbono no ar para manter as plantas vivas e todas têm a capacidade de fixar o nitrogênio atmosférico. Isso é o que faz da agricultura a maior indústria de Ganimedes. Essas plantas valem seu peso em ouro lá na Terra, como fertilizantes, e valem o dobro ou o triplo disso, como fontes de meia centena de alcalóides, que não podem ser conseguidos em nenhuma parte do Sistema. E, naturalmente, todos sabem que a folha-verde ganimediana bate de longe o tabaco da Terra.

Ouviu-se o zunbido de um foguete estratosférico, lá no alto, na atmosfera rala e Orloff olhou para cima.

Parou – estacou – e esqueceu de respirar!

Era sua primeira visão de Júpiter no céu.

Uma coisa é ver Júpiter, friamente, contra o fundo de ébano no espaço. A novecentos e sessenta mil quilômetros já era bem majestoso. Mas, em Ganimedes, apenas aflorando por cima das colinas, seus contornos suavizados e ligeiramente indistintos pela atmosfera rala, brilhando suavemente, num céu violeta, onde apenas algumas estrelas fugitivas ousavam competir com o gigante jupiteriano – não pode ser descrito por uma combinação concebível de palavras.

A princípio, Orloff absorveu aquele enorme disco convexo, em silêncio. Era gigantesco, trinta e duas vezes o diâmetro aparente do sol, visto da Terra. Suas listras se destacavam em desbotadas faixas de cor, contra o amarelo do funto; em volta da Grande Mancha Vermelha, havia um borrão oval, alaranjado, próximo à borda oeste.

Finalmente, Orloff mummurou debilmente: – Que beleza!

Leo Birnam fitou também o planeta, mas nos seus olhos não havia admiração. Tinham, ao contrário, a fadiga mecânica do hábito de ver uma coisa com muita freqüência e, além disso, uma expressão de profundo nojo. A aba do queixo cobria-lhe o sorriso nervoso, mas a pressão que fazia no braço de Orloff deixava marcas, mesmo através da fazenda grossa do traje de superfície.

Disse pausadamente: – É a visão mais horrível de todo o Sistema.
Orloff voltou, com relutância, sua atenção para o companheiro.
– O quê? – perguntou, acrescentando, mal-humorado: – Ah, sim, esses misteriosos jupiterianos.

Com isso, o homem de Ganimedes deu-lhe as costas, com raiva e começou a andar mais depressa, dando passadas de quatro metros e meio. Orloff seguiu-o, desajeitado, mantemdo o equilíbrio com dificuldade.
– Ei, espere! – disse, ofegante.

Mas Birnam não estava escutando. Falava friamente, com amargura. – Vocês da Terra não podem se dar ao luxo de ignorar Júpiter. Não sabem nada a seu respeito. É apenas um pontinho de luz no seu céu, uma titiquina de mosca.

Vocês não moram aqui em Ganimedes, sempre a observar esse maldito colosso que parece olhar-nos com maligna satisfação. Por mais de quinze horas – escondendo Deus sabe o quê na sua superfície. Escondendo alguma coisa que espera e espera e tenta sair de lá. Como uma bomba gigante, esperando para explodir!
– Tolice! – conseguiu dizer Orloff. – Quer andar mais devagar? Não posso acompanhá-lo!

Birnam diminuiu o passo. Com voz tensa disse: Todos sabem que Júpiter ;e habitado, mas praticamente ninguém se detém para pensar o que isto significa. Digo-lhe que esses jupiterianos, seja lá o que forem, nasceram para a púrpura. Eles são os soberanos naturais do Sistema Solar!
– Histeria pura – resmungou Orloff. – O governo do Império não tem escutado outra coisa do seu Domínio por mais de um ano.
– E vocês não ligaram. Bem, escute! Júpiter, descontando a espessura da sua atmosfera colossal, tem um diâmetro de cento e vinte e oito quilômetros. Isso quer dizer que possui uma superfície com vezes maior do que a da Terra e mais de cinqüenta vezes maior do que o Império Terrestre. Sua população, seus recursos, seu potencial de guerra estão na mesma proporção.
– Apenas números…
– Sei o que quer dizer – continuou Birnam arrebatadamente. – As guerras não são feitas com números, mas com ciência e organização. Os jupiterianos têm ambas. Durante o quarto de século em que nos comunicamos com eles, aprendemos bastante. Eles têm poder atômico e têm o rádio. E num mundo de amoníaco sob grande pressão – um mundo, em outras palavras, um mundo no qual nenhum dos metais pode existir, como metal, por tempo algum, devido à tendência d eformar complexos de amoníaco – conseguiram construir uma civilização complicada. Isso significa que tiveram de trabalhar sem plásticos, vidros, silicatos e materiais de construção sintéticos de qualquer espécie. Isso significa uma química tão desenvolvida quanto a nossa, e posso apostar que foi desenvolvida ainda mais.

Orloff esperou, bastante tempo, antes de responder. Então, disse: – Mas quanta certeza têm vocês sobre a última mensagem dos jupiterianos? Nós, lá da Terra, estamos inclinados a duvidar que os habitantes de Júpiter possam ser tão teimosamente beligerantes quanto vocês os descrevem.

O ganimediano deu uma risada seca. – Eles cortaram toda comunicação depois da última mensagem, não foi? Isso lhes parece amistodo da parte deles? Posso assegurar-lhe que todos ficamos carecas, tentando entrar em contado com eles. – Birnam fez uma pausa.
– Olhe aqui, não diga mais nada! – exclamou o ganimediano para depois continuar falando: – Deixe-me explicar-lhe uma coisa. Durante vinte e cinco anos, aqui em Ganimedes, um pequeno grupo de homens trabalhou penosamente, tentando entender e encontrar algum significado nuns cliques variáveis, distorcidos pela gravidade e cheios de estática, nos seus aparelhos de rádio, pois esses cliques eram a única ligação com a inteligência viva em Júpiter. Foi muito trabalho para um mundo de cientistas, mas nunca tivemos mais do que duas dúzias deles de uma só vez, aqui na Estação. Fui um deles, desde o começo e, como filólogo, tive minha parte em ajudar a construir e interpretar o código que se desenvolveu entre nós e os jupiterianos: portando, pode ver que estou falando com conhecimento de causa.

Foi um diabo de trabalho doloroso. Transcorreram cinco anos antes que passássemos além dos cliques elementares da aritmética: três e quatro somam sete; a raiz quadrada de vinte e cinco é igual a cinco; seis fatorial é setecentos e vinte. Depois disso, de vez em quando passavam-se meses até que pudéssemos verificar qualquer nova comunicação de apenas um único fragmento de pensamento.

Mas – e este é o ponto – quando os jupiterianos romperam as relações nós os compreendemos completamente Não havia margem de estarmos errados na interpretação mais do que Ganimedes de se desprender de Júpiter. Sua última mensagem foi uma ameaça e uma promessa de destruição. Oh, não há dúvida – não há dúvida.

Ambos continuaram andando a atravessaram um desfiladeiro, não muito fundo, onde a luz amarela de Júpiter dava lugar a uma escuridão úmida e pegajosa.

Orloff estava perturbado. Nunca ningué, lhe apresentara o caso desta forma antes. – Mas, a razão, homem. Que motivos lhes demos…? – perguntou.
– Nenhum motivo! Foi simplesmente isto: os jupiterianos descobriram, através de nossas mensagens – como e quando não sei – que nós não somos jupiterianos.
– Bem, isso é claro.
– Não foi “é claro” para eles. Nas suas experiências nunca haviam encontrado inteligências que não fossem jupiterianas. Por que deveriam fazer uma exceção em favor daquelas do espaço exterior?
– Você disse que eram cientistas. – A voz de Orloff tomara uma frieza cautelosa. – Não teriam percebido que ambientes alienígenas criariam vida alienígena? – continuou. – Nós sabemos. Nunca pensamos que os jupiterianos fossem terráqueos, embora nunca tivéssemos encontrado outras inteligências que não fossem as da Terra.

Estavam de novo sob a luz encharcante de Júpiter e estendia-se à frente uma vasta região plana de gelo que cintilava, ambarino, uma depressão à direita.

Birnam respondeu: – Diria que são químicos e físicos – mas nunca disse que eram astrônomos. Júpiter, meu caro Comissário, tem uma atmosfera de quatrocentos quilômetros ou mais de espessura e esses quilômetros de gás bloqueiam tudo, a não ser o sol e as quatro maiores luas de Júpiter. Os jupiterianos não sabem nada a respeito de ambientes alienígenas.

Orloff refretiu. – Então eles decidiram que nós éramos alienígenas. E que mais?
– Se não éramos jupiterianos, então, aos seus olhos, não éramos pessoas. Acontece que um ser não jupiteriano era, por definição, um “verme”.

O protesto automático foi cortado bruscamente por Birnam. – Aos seus olhos, eu disse, éramos realmente vermes; e vermes nós somos. Além disso, éramos vermes com a estranha audácia de querer ombrear-nos com jupiterianos!

Com seres humanos! Sua última mensagem foi esta, palavra por palavra: “Os jupiterianos são os senhores. Não há lugar para vermes. Vamos destruí-los, imediatamente.” Duvido que houvesse qualquer animosidade naquela mensagem; simplesmente, uma fria declaração do fato. E eles não estavam brincando.
– Mas, por quê?
– Por que foi que o homem exterminou a mosca?
– Ora, vamos… O senhor não está, seriamente, apresentando uma analogia dessa natureza?
– E por que não? Visto que é uma certeza de que os jupiterianos nos consideram uma espécie de mosca; um tipo de mosca insuportável, que tem a veleidade de aspirar à inteligência.

Orloff fez uma última tentativa: – Mas verdadeiramente, Sr. Secretário, parece impossivel que vida inteligente adote uma tal atitude.
– O senhor possui algum conhecimento de algum outro tipo de vida inteligente para julgar a psicologia jupiteriana?

Sabe quão alienígenas, fisicamente, deverão ser os jupiterianos? Pense apenas no seu mundo, com duas vezes e meia a gravidade da Terra; com seus oceanos de amoníaco; oceanos nos quais você poderia jogar a Terra sem causar um ßplash” respeitável; com sua atmosfera de quatro mil e oitocentos quilômetros de espessura, puxados para baixo pela colossal gravidade, dentro de espessuras e pressões das camadas da sua superfície, que farim os fundos dos mares terrestres parecer com vácuos de mediana espessura. Vou lhe dizer, tentamos imaginar que espécie de vida poderia existir sob tais condições e desistimos. É inteiramente inimaginável. Espera, então, que sua mentalidade seja mais compreensível? Nunca! Aceite as coisas como são. Eles têm a intenção de destruir-nos. Isso é tudo o que sabemos e tudo o que precisamos saber.

Terminou de falar e, levantando a mão enluvada, apontou. – Ali, bem à frente está a Estação Ether.

Orloff virou a cabeça. – Subterrânea? – perguntou.
– Certamente! Tudo menos o Observatório. É aquela cúpula de aço e quartzo à direita: a pequena.

Haviam parado em frente de duas grandes pedras arredondadas que flanqueavam um aterro. De trás de cada uma, um soldado com máscara, vestido em larenja de Ganimedes, com sua arma pronta, avançou para os dois homens.

Birnam levantou o rosto, para que a luz jupiteriana caísse sobre ele. Os soldados fizeram continência e deram um passo atrás, para deixá-los passar. Uma palavra brevem dada asperamente no microfone de pulso de um deles e a abertura camuflada, entre as duas pedras, abriu-se e Orloff, seguido do secretário, entrou pela porta escancarada do compartimento de ar.

O terráqueo lançou um último olhar à figura dominante de Júpiter antes que a porta se fechasse e cortasse, completamente a visão da superfície.

Já não parecia tão belo.

Orloff não se sentiu novamente tão normal até que se encontrou sentado na poltrona, excessivamente estofada, no gabinete particular do Dr. Edward Prosser. Com um suspiro de relaxamento completo colocou o monóculo sob a sobrancelha.
– Será que o Dr. Prosser se importaria que eu fumasse enquanto esperamos? – perguntou.
– Vá em frente – respondeu Birnam displicente. – Minha idéia seria arrancar Prosser do que quer que ele esteja mexendo agora, mas ele é um cara esquisito. Conseguiremos extrair mais dele se esperarmos até que esteja pronto para nós. – Retirou um charuto nodoso, esverdeado, da sua caixa e mordeu a ponta com gana.

Orloff sorriu por trás da fumaça do seu cigarro. – Não me importa esperar. Terei alguma coisa para dizer. O senhor, vê, Sr. Secretário, o senhor assustou-me, mas, afinal de contas… vá lá que os jupiterianos pensem em nos fazer mal, uma vez que chegyem até nós… continua sendo um fato – e aqui ele espa!cou as palavras, enfatizando-as – que eles não podem chegar até nós.
– Uma bomba sem pavio, não é?
– Exatamente! É a própria simplicidade e que nem vale a pena discutir. O senhor admitirá, suponho, que sob nenhuma circunstância os jupiterianos podem sair de Júpiter.
– Sob nenhumas circunstâncias? – havia um tom irônico na lenta resposta de Birnam. – Vamos analisar isso?

Olhou fixamente para a chama violeta do seu charuto. – É um velho ditado, já batido, dizer que os jupiterianos não podem sair de Júpiter. Foi dada muita publicidade a esse fato pelos adeptos do sensacionalismo da Terra e de Ganimedes e muito sentimento foi esbanjado sobre as infelizes inteligências que estavam presas irremediavelmente à superfície do planeta e deviam fitar e indagar para sempre o Universo exterior sem nunca, nunca alcança-lo. Mas, afinal de contas, o que é que mantém os jupiterianos presos ao seu planeta? – continuou Birnam. – Dois fatores! Só isso! O primeiro e’ o imenso campo gravitacional do planeta; duas vezes e meia maior do que a da Terra,
Orloff assentiu com a cabeça. – Bem ruim! – concordou.
– E o potencial gravitacional de Júpiter é ainda pior, pois, devido a seu maior diâmetro, a intensidade do seu campo gravitacional decresce com a distância, somente um décimo da rapidez do que acontece com o campo gravitacional da Terra. É um problema terrível… mas pode ser solucionado.
– O quê? – exclamou Orloff, ficando ereto na cadeira.
– Eles têm potencial atômico. A gravidade – mesmo a de Júpiter – não significa nada, uma vez que se ponha o núcleo atômico instável a trabalhar para a gente.
Orloff esmagou o seu cigarro no cinzeiro com um gesto nervoso. – Mas a atmosfera deles…
– Sim, e é isso o que os está detendo. Estão vivendo no fundo de um oceano de quatro mil e oitocentos quilômetros de atmosfera, onde o hidrogênio, de que é composta, está em colapso puramente pela pressão, atingindo algo assim como a densidade do hidrogênio sólido. Permanece um gás porque a temperatura de Júpiter está acima do ponto crítico de hidrogênio, mas tente apenas calcular a pressão que pode fazer do hidrogênio um gás uma vez e meia mais pesado do que a água. Ficará surpreso com a quantidade de zeros que terá que colocar.

Nenhuma espaçonave de metal ou de qualquer outra matéria pode suportar a pressão. Nenhuma nave espacial terráquea pode pousar em Júpiter sem ser esmagada como uma bolha de sabão. Esse problema ainda não foi resolvido, mas o será algum dia. Talvez amanhã, talvez só daqui a cem anos ou mil. Não sabemos, mas, quando o for, os jupiterianos estarão em cima de nós. E pode ser solucionado de modo específico.
– Eu não vejo…
– Campos de força! Nós os temos agora, o senhor sabe.
– Campos de força! – Orloff pareceu verdadeiramente atônito. Mastigou as palavras repetidas vezes para si durante alguns instantes. – São utilizados como escudos para naves, contra meteoros, nas zonas dos asteróides; mas não vejo a sua aplicação para o problema de Júpiter.
– O campo de força comum – explicou Birnam – é uma zona fraca e rarefeita de energia, que se estende por mais de cento e sessenta quilômetros fora da nave. Defende-a dos meteoritos, mas é apenas éter vazio para um objeto tal como uma molécula de gás. Mas, o que aconteceria se tomássemos essa mesma zona de eneergia e a comprimíssemos até a espessura de um vigésiomo de centímetro? As moléculas quicariam como isto – ping-g-g! E, se utilizássemos geradores mais fortes e comprimíssemos o o campo a cinqüenta por cento de um centímetro, as moléculas quicariam quando forçadas pela inimaginável pressão da atmosfera de Júpiter – e então, se construíssemos uma nave dentro… – Ele deixou a frase pendente.
Orloff estava pálido. – Não está querendo me dizer que pode ser feito?
– Pode apostar o que quiser que os jupiterianos estão tentando fazê-lo. E nós estamos tentando fazê-lo aqui na Estação Ether.

O comissário colonial puxou a cadeira para mais perto de Birnam e agarrou o pulso do ganimediano. – Por que é que não podemos bombardear Júpiter com bombas atômicas? Fazer um serviço completo é o que quero dizer! Com sua gravidade e sua área de superfície não podemos errar.

Birnam sorriu palidamente. – Já pensamos nisso. Mas bombas atômicas apenas fariam buracos na sua atmosfera. E, mesmo que se pudesse penetrar, experimente dividir a superfície de Júpiter pela área de destruição de uma única bomba e calcule quantos anos deveríamos bombardear Júpiter à razão de uma bomba por minuto até que pudéssemos começar a causar danos apreciáveis. Júpiter é grande! Nunca esqueça disso!

Seu charuto se apagara, mas Birnam não parou para acendê-lo. Continuou a falar numa voz baixa e tensa: – Não, não podemos atacar os jupiterianos enquanto estiverem em Júpiter. Temos que esperar que eles saiam – e uma vez que o fizerem eles nos superarão em números. Uma terrível e desanimadora superioridade – por isso precisamos ter a superioridade sobre eles na ciência.
– Mas – interrompeu Orloff. Sua voz evidenciava uma nota de horror e fascínio. Mas como podemos saber de antemão o que eles farão?
– Não podemos. Temos de juntar todos os meios de que pudermos lançar mão e confiar na sorte. Mas há uma coisa que realmente sabemos, e isso são os campos de força. Eles não podem sair sem eles. E se os tiverem, nós também devemos tê-los e este é o problema que estamos tentando solucionar aqui. Os campos não nos assegurarão a vitória, mas sem eles nós certamente sofreremos uma derrota certa. E agora o senhor sabe por que precisamos de dinheiro – e mais do que isso. Queremos que a própria Terra comece a trabalhar. Precisa começar uma campanha de armamentos científicos e subordinar tudo o mais a isso. Está vendo?

Orloff ficou de pé. – Birnam, estou com vocês… cem por cento com vocês. Pode contar comigo lá em Washington.

Não havia como duvidar de sua sinceridade. Birnam agarrou a mão que o Comissário lhe estendia e apertou-a calorosamente – e, nesse momento, a porta foi aberta de um golpe e um homem – um pequeno duende – irrompeu na sala.

O recém-chegado falou em rápidos arrancos, dirigindo-se apenas a Birnam: – De onde veio? Estou tentando, há horas, entrar em contado com você. Sua secretária disse-me que você não estava. E cinco minutos depois você aparece em pessoa. Não compreendo. – Atarefou-se furiosamente com o que havia em cima de sua mesa.

Birnam sorriu. – Se puder dispor de um pouco de tempo, Doc – disse – , poderia dizer alô para o Comissário Colonial Orloff.

O Dr. Edward Prosser girou na ponta dos pés, como um dançarino de balé e olhou para o terráqueo de cima a baixo, duas vezes. – O novato, hem? Vamos conseguir dinheiro? Deviríamos. Temos trabalhado com migalhas até agora. E, assim mesmo, talvez não precisaremos de nenhum. Tudo depende. – Voltou logo a sua atenção para a mesa de trabalho.

Orloff pareceu um tanto desconcertado, mas Birnam piscou solenemente e le contentou-se em olhar fixamente através do seu monóculo.

Prosser puxou com vivacidade um pequeno livro encapado de couro preto de dentro das profundezas de um escaninho, jogou-se sobre uma cadeira giratória e deu meia volta.
– Estou satisfeito que tenha vindo, Birnam – disse, folheando o livrinho. – Tenho algo para lhe mostrar. Ao Comissário Orloff também.
– Por que é que nos deixou esperando? – perguntou Birnam. – Onde estava?
– Ocupado! Ocupado como um porco! Não durmo há três noites. – Levantou os olhos e o seu pequeno rosto franzido ruborizou-se de prazer. – Tudo se ajustou perfeitamente de uma hora para outra. Como um quebra-cabeças. Nunca vi nada igual. Manteve-nos pulando, é o que lhe digo.
– Conseguiu os campos de força densos que procurava? – perguntou Orloff, com súbita excitação.

Prosser pareceu aborrecido. – Não, isso não. Outra coisa. Venha. – Olhou com verocidade para o relógio e, de um pulo, ficou de pé. – Temos meia hora. Vamos!

Uma pequena viatura, movida a eletricidade, esperava do lado de fora. Prosser falava excitadamente enquanto acelerava o veículo, que ronronava como um gato pelas rampas até as entranhas da Estação.
– Teoria! – exclamou. – Teoria! Tremendamente importante, isso. Ponha um técnico num problema. Ele fuçará um pouco tentando resolvê-lo. Desperdiçará vidas inteiras. Não chegará a parte alguma. Apenas fuçará sem rumo. Um verdadeiro cientista trabalha com teoria. Deixa a matemática resolver seus problemas. – Prosser transbordava de auto-satisfação.

A viatura parou, com precisão diante de uma enorme porta dupla e Prosser jogou-se para fora, seguido dos outros dois que andavam com mais lentidão.
– Por aqui! Por aqui! – disse. Empurrou a porta e guiou-os, corredor abaixo, por um lanço de escadas estreito, até uma galeria que circundava um poço onde se via um salão de três níveis. Orloff reconheceu o elipsóide de aço brilhante e quartzo, de onde brotavam vários tubos, como sendo um gerador atômico.

Ajustou o monóculo e observou a atividade intensa lá embaixo. Um homem de fones nos ouvidos, sentado num banco alto, diante de um painel de controle cheio de mostradores, levantou o rosto e abanou para eles. Prosser respondeu com outro abano e sorriu.
Orloff disse: – Vocês criam seus campos de força aqui?
– Isso mesmo! Já viu algum?
– Não. – O comissário sorriu tristemente. – Nem mesmo sei o que um campo é, só sei que pode ser usado como um escudo contra meteoritos.

Prosser explicou: – É simples. Elementar. Toda matéria é composta de átomos. Os átomos são mantidos juntos por forças interatômicas. Tire os átomos. Deixe a força interatômica. Isso é um campo de força.

Orloff demonstrava não ter compreendido nada e Birnam deu um risinho no fundo da garganta e coçou a parte de trás da orelha.
– Essa explicação me lembra do nosso método ganimediano de suspender um ovo no ar a dois quilômetros de altura.

É mais ou menos assim: Encontra-se uma montanha de dois quilômetros de altura e coloca-se o ovo bem no topo.

Então, mantendo o ovo onde está, retira-se a montanha. É só isso.
O comissário colonial jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada e o irascível Dr. Prosser franziu os lábios, num gesto de desaprovação.
– Ora, ora. Nada de piadas, é o que lhe digo. Os campos de forçao são extremamente importantes. Devermos estar prontos para enfrentar os jupiterianos quando eles vierem.

Um súbito som áspero e rascante chegou lá de baixo, fazendo o Dr. Prosser deixar a balaustrada.
– Fiquem atrás do biombo, aqui – balbiciou. – O campo de vinte milímetros está a aumentar. Radiação perigosa.

O brr-r-r abafou-se, quase até o silêncio, e os três voltaram ao passadiço. Não se notava nenhuma mudança aparente, mas Prosser segurou a balaustrada e disse: – Sintam!

Orloff esticou um dedo cauteloso, teve um sobressalto e bateu com a palma da mão. Era como fazer pressão numa esponja de borracha fofa ou em molas superelásticas.

Birnam também tentou. – Isso é o melhor que temos conseguido até agora, não é? – disse e explicou para Orloff: – um biombo de vinte milímetros pode conter a atmosfera com uma pressão de vinte milímetros de mercúrio contra um vácuo, sem vazamento perceptível.

O comissário balançou a cabeça. – Compreendo! Então é necessário um biombo de setecentos e sessenta milímetros para conter a atmosfera da Terra.
– Sim! Isso seria uma unidade de biombo atmosférico. Bem, Prosser, é isto que o deixa tão excitado?
– Este biombo de vinte milímetros? Absolutamente. Posso subir até duzentos e cinqüenta milímetros, utilizando pentassulfeto de vanádio na desintegração de prasiodímio. Mas não é necessário. Os técnicos o fariam e explodiriam o lugar, Um cientista verifica a teoria e vai devagar. – Piscou os olhos e continuou: – Estamos aumentando o campo agora. Observem!
– Vamos para trás do biombo?
– Não e’ necessário agora. Radiação só é perigosa no começo. O brr-r-r começou novamente, mas não tão alto como antes. Prosser gritou para o homem do painel que respondeu abanando com a mão aberta.
Depois o homem do painel sacudiu com o punho fechado e Prosser gritou: – Passamos dos cinqüenta milímetros! Sintam o campo!

Orloff estendeu a mão e cutucou com curiosidade. A esponja de borracha endurecera! Tentou beliscá-la com o polegar e o indicador, tão perfeita era a ilusão, mas quando o fez a “borracha” dissolveu-se em ar, sem oferecer resistência.

Prosser fez um tsk-tsk de impaciência: – Não oferece resistência em ângulo rto à força. Isso é mecânica elementar.
O homem nos controles gesticulava de novo. – Passou de setenta! – exclamou Prosser. – Estamos indo mais devagar agoa. O ponto crítico é 83,42.

Pendurou-se da balaustrada e fez sinais com os pés e a perna esticada para os outros dois. – Fiquem longe! Perigoso!

Então gritou: – Cuidado! O gerador está dando pinotes!

O brr-r-r elevara-se ao máximo e o homem do painel dos controles trabalhava freneticamente com seus botões e chaves. De dentro do coração de quartzo do gerador atômico central, a fosforecência vermelha e sombria dos átomos se chocando ficara perigosamente brilhante.

Houve uma interrupção no brr-r-r, um rugido reverberante e uma explosão de ar que jogou Orloff violentamente contra a parede.

Prosser correu para ele. Havia um corte acima do seu olho. – Machucado? Não? Bom, bom! Esperava algo assim.

Devia ter avisado. Vamos descer. Onde está Birnam?

O ganimediano levantou seu comprido corpo do chão e sacudiu as roupas. – Estou aqui. O que foi que estourou?
– Nada estourou. Alguma coisa desmoronou. Vamos, para baixo! – Tocou de leve na testa com um lenço e conduziu os dois homens para o nível inferior.

O homem do painel retirou os fones, quando se aproximaram, e levantou-se do banco. Tinha um aspecto cansado e seu rosto, com manchas de sejeira, estava lustroso de suor.

A maldita coisa começou a enguiçar a 82,8, chefe. Quase me pegou.
– Foi, não é? – resmundou Prosser. – Dentro dos limites do erro, não é? Como está o gerador? Ei, Stoddard!
O técnico que fora chamado respondeu do seu lugar em frente do gerador: – O tubo cinco morreu. Levará dois dias para ser substituído.

Prosser virou-se, com ar satisfeito. – Funcionou – disse. – Tudo foi como esperado. Problema resolvido, cavalheiros.

Aborrecimentos terminaram. Voltemos ao meu gabinete. Quero comer. Depois quero dormir.

Não tocou no assunto novamente até estar atrás de sua mesa de trabalho mais uma vez e então falou, entre grandes mordidas de um sanduíche de fígado com cebolas.

Dirigiu-se a Birnam: – Lembra-se do trabalho na tensão do espaço em junho passado? Foi um fracasso, mas continuei trabalhando. Finch conseguiu uma pista na semana passada e eu a desenvolvi. Tudo se ajustou perfeitamente. Tudo certinho. Nunca vi nada igual.
– Continue – disse Birnam calmamente. Conhecia Prosser o suficiente para demonstrar alguma impaciência.
– Viram o que aconteceu. Quando um campo passa dos 83,42 milímetros, torna-se instável. O espaço não agüentará a tensão. Entra em colapso e o campo estoura. Buum!

Birnam ficou de boca aberta e os braços da cadeira de Orloff rangeram com a súbita pressão. Houve um curto silêncio e então Birnam disse vacilando: – O senhor quer dizer que ampos de força mais fortes do que isso são impossíveis?
– São possíveis. Podem ser criados. Mas, quanto mais densos forem, mais instáveis serão. Se tivesse ligado o campo de duzentos e cinqüenta milímetros teria durado um décimo de segundo. Então, bumba! Teria explodido a Estação! E eu também! Um técnico o teria feito. O cientista é advertido pela teoria. Ele trabalha com cuidado, como eu fiz.

Não houve nenhum dano.

Orloff enfiou o monóculo no bolso do colete e disse, trêmulo: – Mas, se um campo de força é a mesma coisa que forças interatômicas, por que é que o aço tem uma coesão interatômica tão forte sem que o seu espaço entre em colapso? Aí há uma falha.

Prosser olhou-o irritado. – Não há nenhuma falha. A força crítica depende do número de geradores. No aço, cada átomo é um geradir de campo de força. Isso significa cerca de trezentos bilhões de trilhões de geradores para cada vinte e oito gramas de matéria. Se é que poderíamos utilizar tantos… Entretanto, cem geradores seria o limite prático. Isso só elevaria o ponto crítico para noventa e sete ou por aí.

Ficou de pé e continuou com súbito fervor: – Não, o problema acabou. Estou lhes dizendo. É absolutamente impossível criar um campo de força capaz de conter a atmosfera da Terra por mais de um centésimo de segundo. A atmosfera jupiteriana está fora de cogitação. Os dados frios o atestam; fundados na experiência. O espaço não suportará!

Deixem os jupiterianos tentar quanto quiserem. Não podem sair! Isso é conclusivo! Isso é a última palavra. A última palavra!

Orloff disse: – Sr. Secretário, posso mandar um espaçograma de algum lugar daqui da Estação? Quero dizer à Terra que estou voltando pela próxima nave e que o problema de Júpiter está liquidado; inteira e definitivamente liquidado.

Birnam não comentou nada, mas o alívio estampado em seu rosto, quando apertava as mãos do Comissário Colonial, transfigurava sua feiúra descarnada de um modo inacreditável.

E o Dr. Prosser repetia, com movimentos curtos da cabeça, como um passarinho: – Isso é a última palavra!
Hal Tuttle levantou os olhos quando o Capitão Everett, da espaçonave Transparente, a mais nova nave das Linhas

Cometa do Espaço, entrou na sua sala particular de observações no nariz da nave.
– Um espaçograma acaba de chegar às minhas mãos, dos escritórios domésticos em Tucson – disse o capitão. –

Temos que apanhar o Comissário Colonial Orloff em Jovópolis, Ganimedes, e levá-lo de volta a Terra.
– Boa. Não avistamos nenhuma nave?
– Não, não! Estamos bem longe das rotas regulares do espaço. A primeira coisa que o Sistema saberá de nós será a aterrissagem da Transparente em Ganimedes. Será a maior coisa no que se refere às viagens espaciais desde que se fez a primeira viagem à Lua. – Sua voz abrandou-se subitamente. – O que há de errado, Hal? Este é o seu triunfo, afinal de contas.

Hal Tuttle levantou os olhos e olhou para a escuridão do espaço. – Acho que sim. Dez anos de trabalho, Sam. Perdi um braço e um olho naquela primeira explosão, mas não me arrependo. Acontece é que a reação me pegou. O problema está resolvido; o trabalho de minha vida acabou…
– E também cada nave de casco de aço do Sistema.

Tuttle sorriu. – Sim. É difícil de acreditar, não é? – Fez um gesto que abrangia todo o espaço. – Vê as estrelas? Parte do tempo não há ndada entre elas e nós. Isso nos dá uma sensação esquisita. – Sua voz tornou-se sombria: – Nove anos trabalhei para nada. Não sou um teórico e, na realidade, nunca soube para onde rumava; simplesmente, tentei tudo. Tentei um pouco demais e o espaço não perdoou. Paguei com um braço e um olho e comecei tudo de novo.

O Capitão Everett fechou o punho e bateu contra o casco – o casco através do qual as estrelas brilhavam sem obstáculos. Ouviu-se um som surdo abafado de carne batendo contra uma superfície resistente – mas a parede continuava invisível.

Tuttle sacudiu a cabeça. – É bem sólida agora – embora se apague e se acenda oitocentas mil vezes por segundo. Tirei a idéia da luz estroboscópica. Você conhece as lâmpadas – elas se acendem e se apagam com tanta rapidez que nos dão a impressão de iluminação ininterrupta.

E é assim que acontece com o casco da nave. O período em que está ligada não é suficiente para fazer o espaço entrar em colapso. Não fica desligada o bastante para permitir um vazamento apreciável da atmosfera. E o efeito total é uma força maior do que a do aço.

Fez uma pausa e lentamente acrescentou: – E não há meios de dizer até que ponto podemos chegar. Acelere-se o efeito intermitente. Faça-se o campo ligar e desligar milhões de vezes por segundo – bilhões de vezes. Conseguirá campos suficientemente fortes para conter uma explosão atômica. O trabalho de minha vida!

O Capitão Everett bateu no ombro do outro. – Saí dessa, homem. Pense na aterrissagem em Ganimedes. Que diabo! Será uma boa publicidade. Pense na cara de Orloff, por exemplo, quando ele souber que será o primeiro passageiro da história a viajar numa espaçonave com um casco de campo de força. Como pensa que ele vai se sentir?

Hal Tuttle deu de ombros e respondeu: – Imagino que ele vai ficar muito contente!

 
Isaac Asimov
 

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