‘Muitos empresários poderiam fazer o mesmo’, diz dono de fábrica que emprega mais de 70 detentos

De segunda a sexta, um ônibus leva logo cedo 30 homens até uma fábrica em Araucária, no Paraná. Ali, vestem o uniforme e começam sua jornada de oito horas de trabalho ao lado de centenas de outros funcionários.

A única diferença entre esses é que, após a jornada, o ônibus volta para a Colônia Penal Agroindustrial e o grupo passa a noite em uma cela.

Um deles é Thiago Pires da Paz, de 25 anos – condenado a 13 anos e 2 meses de prisão após cometer um assalto à mão armada numa residência. “Na cadeia, você não usa o tempo para nada que preste. No trabalho, eu aprendo uma profissão, vejo a hora passar muito rápido e ainda faço novas amizades todos os dias”, afirmou Paz em entrevista à BBC Brasil.

O jovem conseguiu o benefício de poder trabalhar enquanto cumpre pena por ter um bom comportamento na prisão e conseguir o benefício de ir para o regime semiaberto – os únicos que podem sair da prisão para trabalhar.

Assim como ele, mais de 70 presos trabalham em dois turnos na empresa de alimentação Risotolândia. Eles produzem marmitas para escolas, hospitais e até presídios, como a Colônia Agroindustrial onde eles estão presos e a Papuda – onde cumprem pena condenados da Operação Lava Jato.

O presidente da empresa, Carlos Humberto de Souza, diz que também há 29 ex-detentos no quadro de funcionários efetivos da empresa. Entre estes, há condenados por crimes graves, como homicídio, latrocínio, roubo e agressão contra mulheres.

A analista de recursos humanos da empresa, Jheniffer Braga, de 27 anos, trabalha há dois anos no local e diz que tem uma ótima relação com todos os funcionários.

“Os detentos usam o mesmo uniforme dos outros funcionários. A gente se vê nos corredores, quando eles vão para o ônibus e nunca tive problemas. A gente se cumprimenta e eles são muito educados”, disse Braga.

O presidente relata que todos são disciplinados e nunca causaram problemas no ambiente de trabalho. Ele ainda incentiva mais empresários a também contratarem presos.

“Todas as pessoas têm direito a se recuperar e ter uma segunda chance na vida. Se a gente não der essa oportunidade, cada dia veremos mais isso (rebeliões) acontecer. Além disso, é uma grande vantagem para a empresa porque a mão de obra é muito barata. Muitos empresários poderiam fazer o mesmo”, afirmou.

Souza acredita que o governo perde uma oportunidade ao não promover e incentivar essa medida.

“Isso poderia ser mais divulgado para levar essa condição de recuperação social a mais pessoas. Sempre existem espaços sobrando ao lado dos presídios. Você pode criar barracões, como algumas empresas já fazem, em busca de mão de obra. Precisamos dar oportunidades para que eles (presos) não voltem para o crime. Precisamos levá-los para o bom caminho se quisermos ganhar esse jogo”, afirma.

Salário e redução da pena

O detento Thiago da Paz, que trabalha como higienizador de equipamentos na Risotolândia, lista uma série de vantagens que recebe por trabalhar enquanto cumpre sua pena. Entre elas, estão aprender uma nova profissão, se afastar de assuntos sobre crime e reduzir parte da pena. Isso porque a cada três dias trabalhados, o detento reduz um dia de seu encarceramento.

Ele trabalhava como pintor industrial em uma metalúrgica quando foi preso em 2011. O rapaz disse ter cometido o crime incentivado, segundo ele, por “más companhias” e pela vontade de ganhar “um dinheiro fácil”.

Além dos benefícios, a empresa paga um salário mínimo pelo trabalho de cada um dos detentos. Mas 40% desse valor é depositado em um fundo penitenciário e só pode ser sacado após o cumprimento da pena. Outros 40% são pagos aos detentos ainda presos e os 20% restantes vão para o governo.

Uma das vantagens para a empresa é que nenhum dos detentos são registrados pela CLT. Desta forma, a empresa não cria nenhum vínculo empregatício com eles.

Para especialistas, esse tipo de trabalho é uma das mais importantes ferramentas para a ressocialização do preso. Isso porque a atividade o leva a ter um acesso frequente com outras pessoas que estão fora do sistema prisional.

Mas essa rotina é uma realidade para poucos detentos. Segundo o último relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), apenas um a cada seis presos trabalham nas penitenciárias brasileiras.

Sonho

Paz afirmou à BBC Brasil que é réu primário e que seu maior desejo é sair da prisão o quanto antes para reconstruir sua vida. Mas ele tem medo de ficar desempregado.

“Se é difícil alguém arrumar normalmente um emprego na rua, imagine um ex-presidiário. Meu sonho é sair daqui e dar alegria para a minha família. Construir uma família com respeito e ensinar que o caminho mais curto não vale a pena”, disse.

Ele conta que sua maior dificuldade será se adaptar às novas tecnologias e relata que “parou no tempo” durante o período que está na prisão. Ele pretende fazer um curso para se atualizar e aproveita para demonstrar seu desejo de continuar na mesma empresa.

“Tenho a intenção de trabalhar aqui no setor de manutenção, na área de pintura ou solda. Quero retribuir o que fizeram por mim e provar que estou recuperado. Só quero ter uma vida normal”.

Fonte:BBC Brasil

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