O chá de ayahuasca, também conhecido como yagé, vegetal ou "chá do Santo Daime", é uma bebida originalmente utilizada por indígenas da Amazônia com propósitos medicinais e religiosos. Preparado a partir da infusão de plantas, geralmente são utilizados o caule da Banisteriopsis caapi (jagube ou mariri) e as folhas da Psychotria viridis (chacrona ou rainha). Tais plantas são responsáveis pelos efeitos psicoativos do chá de ayahuasca, por conterem as seguintes substâncias: alcalóides ou beta-carbolinas (inibem a enzima monoamina oxidase, MAO) e o N,N-dimetiltriptamina (DMT), um agonista serotoninérgico que, na presença de inibidores da MAO, leva aos efeitos alucinógenos.

 

No Brasil, os principais grupos religiosos que fazem o uso da ayahuasca em rituais são: Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal (UDV). Entretanto, seu uso recreativo também tem sido observado pelo mundo todo, tornando-se importante chamarmos a atenção para as consequências do mesmo, como problemas médicos e psicossociais comumente associados às drogas.

 

Nota-se, ainda, que há muita controvérsia na literatura sobre o uso de ayahuasca e potenciais danos: enquanto alguns estudos indicam que seu consumo pode levar ao desenvolvimento de abuso, outros sugerem que a ayahuasca teria um potencial terapêutico no tratamento de usuários de álcool e de outras substâncias de abuso.

 

Assim, um estudo publicado na revista Drug and Alcohol Dependence buscou verificar, em usuários regulares do chá de ayahuasca, potenciais associações com o histórico de transtornos relacionados ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas, como abuso e dependência.

 

Esse chá é uma substância psicoativa que produz efeitos alucionógenos, além de diversos efeitos "colaterais" agudos, como vômito e diarreia.

 

Foram avaliados dois grupos de usuários regulares de ayahuasca (que fizeram o uso por, no mínimo, 15 anos e duas vezes ao mês): um com indivíduos provenientes de uma comunidade religiosa rural, localizada no município de Pauini (AM), denominada Céu de Mapiá (n=56), e outro de usuários urbanos de ayahuasca, frequentadores da Barquinha, na cidade de Rio Branco (AC) (n=71). O estudo também incluiu respectivos grupos controles de não-usuários, provenientes da mesma região dos usuários de ayahuasca e com idades, gênero e nível educacional semelhantes (n=59, Céu do Mapiá; n=59, Rio Branco).

 

Verificou-se o histórico de uso de álcool e outras drogas e também foi utilizada a Escala de Gravidade de Dependência (Addiction Severity Index - ASI). Ela baseia-se na pontuação em um questionário semi-estruturado (com perguntas abertas e fechadas) desenvolvido para medir o impacto do uso de drogas a partir de um modelo multidimensional, pois aborda diferentes aspectos do indivíduo, como problemas de saúde, sociais ou legais, relações familiares/sociais e ocupação, além do uso de álcool e outras drogas. A fim de verificar possíveis mudanças no comportamento dos entrevistados, a mesma entrevista foi aplicada em duas ocasiões distintas, em intervalo de oito meses a um ano, de acordo com o modelo de estudo longitudinal.

 

Os resultados revelaram que os grupos de usuários de ayahuasca apresentaram pontuações significativamente menores que seus respectivos grupos-controle em relação ao uso de álcool na vida e no último mês, e também em Escalas Psiquiátricas (as quais indicam possível incidência de problemas psicológicos ou psiquiátricos).

 

Em relação à segunda etapa de aplicação da entrevista, os mesmos padrões de uso entre o grupo de usuários de ayahuasca e o grupo controle foram encontrados. Entre os usuários de ayahuasca houve uma diminuição pouco significativa do uso na vida e de uso no último mês de álcool. Além disso, os usuários de ayahuasca do Céu de Mapiá apresentaram um histórico maior de uso de drogas, que cessaram durante a aplicação, exceto pelo uso da maconha (cannabis).

 

O estudo também constatou a remissão do uso de algumas substâncias entre os usuários de ayahuasca, tais como sedativos, cocaína, anfetaminas, opiáceos e solventes, ao longo do tempo.

 

Os autores concluem que os resultados deste estudo apresentam semelhanças com pesquisas anteriores, as quais não constataram, entre usuários a longo prazo de ayahuasca, evidências de distúrbio e alterações neuropsicológicas, transtornos psiquiátricos e incidência de psicopatologias, problemas tipicamente causados por drogas de abuso. Ademais, sugerem que o chá de ayahuasca possui um baixo potencial para abuso.

 

Na minha opinião, é importante ressaltar que isso não significa que a ayahuasca não tem consequências sobre a saúde do usuário - afinal, é uma substância psicoativa que produz efeitos alucionógenos, além de diversos efeitos "colaterais" agudos, como vômito e diarréia comumente relatados por aqueles que experimentaram esta bebida. Isso evidencia que são necessários mais estudos a respeito do uso de ayahuasca e de outras drogas, para que possamos compreender seus efeitos na saúde e potenciais consequências em longo prazo.

 

 

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