ÉPOCA – Por que o senhor é a favor de igualar a aposentadoria de homens e mulheres?
Marcelo Caetano – Isso é uma tendência internacional. Quando você começa a observar reformas que outros países fizeram, claro que ainda existem países que mantêm diferença de idade para homens e mulheres, mas há uma tendência de igualar.
ÉPOCA – Países que igualaram as idades de aposentadoria adotaram mecanismos para compensar a sobrecarga doméstica de trabalho das mulheres, permitindo que elas se aposentem antes se tiverem um filho, por exemplo. O senhor pretende incluir dispositivos assim na Previdência brasileira?
Caetano – A gente não fez isso. Nossa proposta é simplesmente igualar. Esse tipo de comportamento levaria a abrir concessões para outras coisas que nem existem hoje.
ÉPOCA – Os países que igualaram a aposentadoria de homens e mulheres não tinham índices mais equilibrados de salário e desemprego entre homens e mulheres do que os do Brasil?
Caetano – Ainda que exista diferença salarial, ela vem se reduzindo e já não é tão grande como foi lá atrás. Há outro fator curioso que a gente observa nas estatísticas: quanto mais jovem o grupo, menor é o diferencial entre homens e mulheres. Então há uma tendência de que esse diferencial decresça.
ÉPOCA – O senhor afirma que quanto mais jovem o grupo, menor é a disparidade salarial entre homens e mulheres. Isso significa que caminhamos para uma maior igualdade? Ou se deve ao fato de que a desigualdade sempre foi mais baixa entre os mais jovens?
Caetano – Quando a gente compara idades mais jovens, o diferencial entre homens e mulheres é menor. A questão da tendência também é verdadeira, porque esse diferencial vem diminuindo com o passar do tempo. Em 1995, as mulheres de 14 a 23 anos recebiam 91% do salário dos homens. Em 2014, elas passaram a receber 99%. Mesmo nas faixas etárias superiores, essa diferença encolheu. Em 1995, no grupo de 54 anos ou mais, as mulheres recebiam 39% do salário dos homens. Em 2014, passaram a 64%. A disparidade vem diminuindo e já não é tão distante da média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Claro, essa tendência de aproximação pode se estagnar em algum momento. A gente não sabe.
ÉPOCA – Em vez de confiar na continuação da tendência de redução de desigualdade, por que não amarrar a mudança de idade da aposentadoria a parâmetros objetivos, como a redução na disparidade de salários e desemprego?
Caetano – Aí vamos voltar ao ponto inicial: eu julgo que a Previdência não é a solução para disparidades no mercado de trabalho. Se fosse, a gente já teria resolvido. Temos pelo menos umas três décadas de regras de aposentadoria com idades diferentes para homens e mulheres. E os problemas do mercado de trabalho persistem.
ÉPOCA – Mas o papel de um sistema de Previdência Social não é atenuar as diferenças?
Caetano – Se você enfocar por essa perspectiva, teremos de cuidar de várias outras diferenças. As heterogeneidades no mercado de trabalho não se limitam à questão de gênero. Há desigualdades de educação, de gênero e relacionadas a questões de discriminação… A lista é interminável. Você não vai conseguir resolver esses problemas por conta da Previdência. Você estaria usando um paliativo, em vez de atacar o problema na raiz. E criaria uma situação mais grave para a Previdência. De um ponto de vista estritamente matemático, as mulheres vivem mais que os homens. O próprio fato de igualar as idades de aposentadoria, sabendo que a longevidade feminina é maior, não deixa de ser um subsídio para elas.
ÉPOCA – A jornada das mulheres é muito maior no trabalho reprodutivo (cuidados não remunerados com a casa ou parentes) e um pouco menor no trabalho produtivo (remunerado). Somando as duas jornadas, as mulheres trabalham em média oito horas a mais por semana. Ao longo da vida produtiva, são sete anos a mais de trabalho. Essa diferença não paga o maior período de aposentadoria?
Caetano – Há um problema de divisão de trabalho doméstico que não pode ser resolvido com a Previdência. Você pode criar tanta diferenciação que chegará ao ponto de que a Previdência não se sustentará mais. A Previdência tem um foco contributivo. A Constituição diz que ela deve se pautar pelo equilíbrio financeiro.
ÉPOCA – A redução das taxas de fertilidade está diminuindo o papel da mulher como mãe. Mas o aumento no percentual de idosos pode significar mais trabalho doméstico para as mulheres no futuro, já que cuidar de idosos é um trabalho que recai hoje sobretudo sobre as mulheres. Embora elas não ganhem dinheiro ou recolham impostos com isso, não existe um ganho à sociedade digno de remuneração?
Caetano – Entendo que alguém possa estar fora do mercado de trabalho por cuidar de um idoso ou uma criança. Mas você não vai resolver isso dando uma aposentadoria precoce. Isso requer mudanças culturais para equalizar o papel dos gêneros. A redução da desigualdade ocorreu não porque as mulheres se aposentaram antes. Foi porque elas se educaram mais…
ÉPOCA – Conforme esses problemas de mercado de trabalho não são resolvidos, eles não acabam pesando sobre o próprio sistema de seguridade? Talvez não do lado da Previdência, mas do lado da Assistência Social?
Caetano – Sim. Mas eles caem numa ponta do sistema em que você pode tentar resolver o problema pela raiz. A política a ser adotada deve tentar resolver o problema de forma definitiva.
ÉPOCA – Hoje, 45% das mulheres e 20% dos homens se aposentam com 15 anos de contribuição, sem atender às regras propostas no projeto de reforma da Previdência. Quantos conseguirão, com mais anos de trabalho, atender às novas normas?
Caetano – Também houve essa discussão no aumento anterior do prazo mínimo de contribuição para 15 anos. Antes eram cinco ou dez anos, não me lembro. E as pessoas conseguiram continuar se aposentando. Para isso, estabelecemos critérios de transição.
ÉPOCA – O senhor não teme uma queda de arrecadação de mulheres que desistam de contribuir por achar que não conseguirão se aposentar?
Caetano – Não acredito, sabe por quê? No mundo inteiro, a Previdência Social é compulsória. Basicamente é assim porque, se você deixar para as pessoas contribuírem quando quiserem,
acaba não tendo essa contribuição.
Fonte: Época