Para a KGB, a famosa agência de inteligência da antiga União Soviética, seu codinome era “pátria”. Mas África de las Heras tinha muitos nomes.
No México, por exemplo, conheceram-na como María de la Sierra. E no Uruguai, de onde coordenou uma rede de espionagem soviética na América do Sul em plena Guerra Fria, era Maria Luísa.
Mas como essa espanhola de família rica e vinculada ao exército de seu país se tornou uma das agentes do regime soviético mais relevantes na América Latina?
A resposta está na época em que África, nascida em 1909, na cidade de Ceuta, chegou à vida adulta. Um momento de grande agitação política e social na Espanha.
Em 14 de abril de 1931 foi proclamada a Segunda República, que dissolveu a monarquia e deixou o país dividido e, naquela mesma década, resultaria em uma traumática Guerra Civil.
A jovem abastada, que havia se casado com um oficial do exército, começou naquela época a estabelecer contatos com círculos socialistas.
Guerrilheira e conspiradora
Seu compromisso ideológico se consolidou quando ela foi a Barcelona após o golpe de Estado do general Francisco Franco (1892-1975) contra o governo republicano, em julho de 1936.
Foi na Catalunha que ela conheceu duas pessoas que mudaram sua vida: Caridad Mercader e seu filho Ramón, que viria a ser o assassino do político e teórico soviético Leon Trotsky (1879-1940), figura chave na Revolução Russa de 1917.
A resposta está na época em que África, nascida em 1909, na cidade de Ceuta, chegou à vida adulta. Um momento de grande agitação política e social na Espanha.
Em 14 de abril de 1931 foi proclamada a Segunda República, que dissolveu a monarquia e deixou o país dividido e, naquela mesma década, resultaria em uma traumática Guerra Civil.
A jovem abastada, que havia se casado com um oficial do exército, começou naquela época a estabelecer contatos com círculos socialistas.
Guerrilheira e conspiradora
Seu compromisso ideológico se consolidou quando ela foi a Barcelona após o golpe de Estado do general Francisco Franco (1892-1975) contra o governo republicano, em julho de 1936.
Foi na Catalunha que ela conheceu duas pessoas que mudaram sua vida: Caridad Mercader e seu filho Ramón, que viria a ser o assassino do político e teórico soviético Leon Trotsky (1879-1940), figura chave na Revolução Russa de 1917.
Foi por intermédio de Caridad Mercader que África se aproximou da inteligência soviética.
“Ela participava de patrulhas milicianas e interrogatórios de pessoas acusadas de serem partidárias do golpe. Há testemunhos de que ela foi vista em um das prisões clandestinas”, disse à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) Javier Juárez, autor de Pátria, uma espanhola na KGB, biografía de África de las Heras.
Mas foram Alexander Orlov e Nahum Eitingon quem realmente transformaram África em agente secreta.
Orlov fazia a ligação entre a KGB e o Ministério do Interior da Espanha durante a Guerra Civil, em defesa da administração socialista que assumira em maio de 1936. Eitingon foi escolhido pelo líder soviético à época, Joseph Stálin, como encarregado de matar Trostky, que vivia no exílio desde 1929. O crime ocorreu em 21 de agosto de 1940.
“Depois da Guerra Civil, o que sabemos sobre África é que estava no México por volta de 1939, e em contato com Ramón Mercader, como parte do plano para matar Trotsky. Há testemunhos que a colocam dentro da casa em que Trostsky viva no México, onde ela trabalhava como empregada, sob o nome Maria de la Sierra. Mas só sabemos com certeza que ela ajudou Mercader”, conta Juárez.
Missões
Depois da morte de Trotsky e da prisão de Ramon, África foi retirada do México a bordo de um navio de carga soviético com destino a Moscou. Mas sua estadia mexicana não seria sua última missão na América Latina.
Ela chegou à capital soviética e encontrou um país mobilizado pela Segunda Guerra Mundial. Em junho de 1941, a Alemanha lançaria uma ofensiva contra a URSS. África, mais uma vez, viu-se envolvida em uma guerra, dessa vez como integrante de uma milícia soviética que operava por trás das linhas inimigas.
“Ele foi operadora de telégrafo na Ucrânia. Encarregava-se da comunicação com os postos de comando em Moscou. Ficou por lá até o final de 1944”, explica seu biógrafo.
Socialite em Paris
Depois da Segunda Guerra, África reapareceu em Paris: a guerrilheira havia se transformado em uma estilista de nome Maria Luísa, que frequentava a alta sociedade da capital francesa. Em 1946, África já estava plenamente integrada à KGB (sigla em russo para Comitê de Segurança do Estado).
Foi em Paris que Felisberto Hernández, renomado músico e escritor uruguaio, apaixonou-se pela espanhola. Só não sabia que ela era uma espiã.
Dois anos mais tarde, com autorização da KGB, os dois se casaram e foram morar em Montevidéu.
Lá, Maria Luísa se encarregou de tecer uma rede de espionagem soviética na América do Sul. Felisberto, conhecido por suas posições abertamente contrárias ao comunismo, serviu como cobertura perfeita para as atividades clandestinas da mulher.
“Quando obteve a cidadania uruguaia, ela se separou de Felisberto. Ficaram juntos três anos. Ele estava muito apaixonado, mas foi claramente usado”, diz Juárez.
O trabalho de África no Uruguai acabava de começar.
Casal de espiões
Depois do divórcio, ela se casou com o italiano Valentino Marchetti, outro espião enviado por Moscou. Juntos formaram uma parceria que teve papel fundamental na coordenação da inteligência soviética na região.
Mas por que a URSS escolheu o Uruguai? Raúl Vallarino, jornalista uruguaio e autor de Mi nombre és pátria, um romance biográfico sobre África, cita a neutralidade adotada por Montevidéu durante a Segunda Guerra como uma das razões.
“O Uruguai ficou conhecido como a Suíça da América do Sul, porque oferecia paz. bem-estar e condições para negócios. Era um país em que ninguém podia suspeitar da ação de serviços de inteligência de outros países. Era um lugar ideal para passar despercebido.”
Montevidéu era ainda uma das poucas capitais latino-americanas que mantinham relações diplomáticas com Moscou naquele momento.
A espiã espanhola a serviço dos soviéticos manteve conexões com espiões no continente e transmitia informações a Moscou por meio de um rádio instalado em seu apartamento.
“Se havia um agente que tinha de se instalar no Equador ou no Chile, tinha que passar pelo Uruguai primeiro para que África lhe preparasse os documentos”, diz Vallarino.
Ela desempenhou a função durante quase 20 anos. Deixou o Uruguai em 1968, sem que sua vida dupla fosse descoberta.
Espiã habilidosa
Sua situação no país havia mudado com a morte de Valentino, que pode ter sido determinante para sua decisão de partir.
“Marchetti morreu de causas naturais, ainda que alguns atribuam sua morte à África de las Heras, já que o casal tinha começado a apresentar divergências políticas.
Valentino estava se mostrando mais crítico com a União Soviética, enquanto ela manteve uma lealdade e uma disciplina ideológica à prova de dúvidas”, diz Juárez.
África voltou a Moscou e recebeu uma série de homenagens: ganhou patente de coronel da KGB e foi condecorada com a Ordem de Lênin. Passou o resto da vida na capital soviética, trabalhando como especialista em América Latina e instrutora de espiões.
Morreu em 1988, de problemas cardíacos, e foi enterrada com honras militares no cemitério Khovanskoye. Em seu túmulo, um epitáfio escrito em russo tem sua efígie e identificação, acompanhado da palavra “pátria”, em espanhol.
Fonte: BBC Brasil