Origem do número zero é bem mais antiga do que imaginávamos

O zero é o número que não damos valor o suficiente, mas ainda assim, o conceito de sua origem tem eludido arqueólogos e historiadores. Mas uma análise atualizada de um manuscrito indiano está trazendo novo significados a este longo mistério, mostrando que o símbolo que eventualmente evoluiria para o número zero surgiu pelo menos 500 anos antes do que acreditávamos.

Datação por radiocarbono do manuscrito Bakhshali, a única cópia existente de um texto matemático, atrasada a origem do zero para entre 224 e 383 A.D., em vez de ter surgido entre o século IX e XII, como pesquisas anteriores sugeriam. O manuscrito Bakhshali é cheio de um símbolo para o zero, expressado por um grande ponto, fazendo deste o mais antigo exemplo do símbolo que mais tarde evoluiria para o que conhecemos hoje.

O documento foi descoberto por um fazendeiro local em 1881 em uma vila próxima a Bakhshali, no que é hoje conhecido como Paquistão. Ele foi enviado à Biblioteca Bodleiana na Universidade de Oxford, em 1902, e tem estado lá desde então. Uma análise anterior do texto identificou a língua contida nele sendo o sânscrito híbrido budista; o manuscrito continha centenas de símbolos do zero e era provavelmente usada por comerciantes que precisavam de uma referência para as diárias atividades de troca. Mas a data precisa do documento permanecia vaga, e é por isso que no início de 2017, pesquisadores da Biblioteca Bodleiana, na Universidade de Oxford, e a Unidade de Aceleração de Radiocarbono de Oxford colaboraram em um projeto para finalmente datar o documento.

Datação por radiocarbono mostra que o manuscrito Bakhshali é datado entre 224 – 383 A.D., fazendo dele um dos mais antigos exemplos do uso do zero (escrito como um ponto). (Imagem: Biblioteca Bodleiana, Universidade de Oxford)

Investigações anteriores sobre o ano e a origem do manuscrito Bakhshali sugeriam que ele foi escrito entre os séculos VIII e XII, mas essa análise se baseava no estilo da escrita, no literário e no conteúdo matemático, além de outros fatores. A nova datação de radiocarbono mostra porque foi tão difícil dar uma data de origem; o manuscrito consistia em 70 frágeis folhas de bétula, composto de materiais de pelo menos três períodos históricos.

Essa análise, no entanto, ainda precisa ser revisada por pares e publicada em algum periódico científico. “Apesar de nos referirmos a este estudo como um artigo de pesquisa, ele ainda não foi submetido como um artigo de pesquisa para um periódico/publicação”, explicou um porta-voz da Biblioteca Bodleiana. “A providenciamos para que escritores possam ver as descobertas da datação de radiocarbono com mais detalhes”.

As setenta folhas de bétula que fazem do manuscrito Bakhshali incrivelmente frágil, elas são armazenadas neste livro especial. Estudiosos podem ver os dois lado das folhas de bétulo por ‘janelas’ nas folhas do livro. (Imagem: Biblioteca Bodleianas, Universidade de Oxford).

O conceito de zero parece intuitivo, mas isso se dá porque estamos já familiarizados com ele. Existe um grande salto de conceito entre dizer “não há nenhuma maça nessa árvore” para “essa árvore tem zero maças”. Historicamente, o conceito de precisar de um espaço reservar para determinar “nada” emergiu em diversas diferentes culturas anciãs, incluindo sociedades maias e babilônicas anciãs, mas o uso do zero no manuscrito Bakhshali é significante por duas razões.

Primeiro, o ponto que aparece no texto Bakhshali evoluiria mais tarde no círculo vazio que hoje simboliza o número zero. Segundo, é único exemplo de algo que representa o zero que mais tarde se transformaria no número que conhecemos hoje. É uma discussão que acompanha o artigo de pesquisa, Marcus du Sautoy, professor de matemática da Universidade de Oxford, explica da seguinte maneira:

O zero no manuscrito Bakhshali ainda não é um número em seu próprio significado. É algo usado como parte de outro número escrito no sistema numérico. Nós escrevemos 101 para indicar 1 centena, não dez e 1 unidade. O zero indica a ausência de 10s. Essa ideia de precisar de um símbolo para representar nada como parte da escrita dos números no lugar de um sistema numéricos tem uma herança anciã. Há cinco mil anos, os babilônios usavam símbolos de menor e maior que para representar o nada como parte dos símbolos cuneiformes para escrever números em pedras. Os maias usavam o símbolo de uma casca para denotar a ausência em seu sistema numérico há dois mil anos.

Assim, o ponto usado pelo texto Bakhshali não é o primeiro uso do zero como uma maneira de denominar grandes números, mas é a semente do qual o conceito de zero emergiu para o que é hoje, diz du Sautoy.

“Determinar a data do manuscrito Bakhshali é de importância vital para a história dos matemáticos e o estudo de uma jovem cultura sul asiática e estes surpreendentes resultados testemunham a rica e longa tradição científica do subcontinente.

O trabalho no manuscrito está longe de ser completado, diz Ovenden, mas agora que estudiosos sabem determinar o período de sua origem, eles têm mais chances de reconstruir a estrutura original dos textos para fazer uma análise mais informada das diferentes camadas de texto.

Imagem de topo: É possível ver o ponto na última linha no manuscrito. Ela evoluiu para o que hoje conhecemos como o número zero. (Imagem: Biblioteca Bodleiana, Universidade de Oxford)

Fonte:GIZMODO

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