Mathew Shurka tinha 16 anos quando decidiu contar para o pai que era gay. Apavorado, tinha certeza que “o homem que mais admirava” o aceitaria.
“Eu amo você e vou ajudá-lo”, respondeu seu pai. A “ajuda” veio em forma de terapias que prometiam “curá-lo” da homossexualidade. Em cinco anos, a partir de 2004, o americano passou por quatro terapeutas, um acampamento de “conversão”, foi obrigado a tomar Viagra para se relacionar com mulheres, ficou depressivo e pensou em se suicidar.
“Meu pai não é religioso. Ele só pensava: ‘Meu filho não vai sobreviver neste mundo como um homem gay'”, conta.
Na última segunda-feira, o juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu uma liminar que autoriza psicólogos do Brasil a oferecerem a seus pacientes formas de terapia de reversão sexual. Esse tipo de procedimento era vedado no país pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999.
A decisão do juiz, que causou polêmica, foi motivada por um ação de uma psicóloga que queria oferecer serviços de “cura gay” e pode ser mudada nas instâncias superiores. Há quase 30 anos, a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. Nos EUA, nove Estados e o Distrito Federal têm leis proibindo a “cura gay” – no restante do país, tais tratamentos são legais.
Criado em uma pequena cidade conservadora perto de Nova York, membro de uma família com tradição judaica, Shurka nunca havia conhecido uma pessoa abertamente gay ou casais gays.
“Meu pai me dizia que eu ia sofrer muito, e eu tinha medo desse sofrimento – já havia apanhado na escola e sofria pressão para me relacionar com meninas. Quando um homem que eu amava e confiava me disse que havia uma solução para isso, eu acreditei”, afirma.
Todos os terapeutas encontrados pela família nos cinco anos de tratamento eram profissionais graduados e registrados. “Isso dava mais credibilidade ao tratamento. Para o meu pai, era a oportunidade de dar a mim a vida que ele imaginou.”
O primeiro terapeuta lhe disse que sua orientação sexual era fruto de um trauma de infância. “Mas eu tive uma infância maravilhosa. Não conseguia pensar em trauma algum. Acabei criando coisas que não haviam existido. Fiquei bravo com minha mãe por não ter me criado másculo o suficiente.”
Viagra
Como parte da terapia, o jovem foi orientado a não falar com mulheres – para não se tornar efeminado – e a conviver mais com homens, de modo a torná-lo mais “macho”. Por causa do tratamento, ficou três anos sem falar com a mãe e as irmãs. “Eu virava a cara, literalmente”, conta.
Sua mãe passou a ser contrária à terapia de “conversão”. “Ela chegava a me dizer: ‘Filho, você é gay, não tem problema. Eu te amo’. E eu tinha muito medo e achava que, como ela era a culpada por minha homossexualidade, sua aceitação só piorava as coisas.”
Sem que o primeiro tratamento fizesse muito efeito, Shurka e seu pai procuraram outro profissional, em Los Angeles, do outro lado do país. Viajaram para a cidade só para conhecê-lo – o tratamento continuou por telefone. “No começo uma vez por semana, mas depois quase todos os dias.”
“No começo, sentia que a terapia estava funcionando. Fiz muitos amigos homens e estava pronto para me relacionar com mulheres. Tinha inventado minha heterossexualidade”, conta ele. Mas, por baixo disso, ainda sentia atração por homens. Passou a se sair mal na escola, ter crises de ansiedade e ir ao hospital com frequência achando que estava sofrendo um infarto.
Admitiu então para seu terapeuta que não estava conseguindo transar com mulheres.
“Meu terapeuta ligou para o meu pai e, juntos, decidiram que eu deveria tomar Viagra. Eu tinha 18 anos, era um rapaz saudável, e passei a tomar Viagra quando saía com mulheres.”
Intervenção
Aos 19, Shurka se apaixonou por um homem e tentou namorá-lo. Seu terapeuta interferiu outra vez: ele e seu pai abordaram o rapaz e o mandaram embora.
“Ao telefone, chorava com meu terapeuta, me perguntando porque era gay e porque ele (o namorado) havia me deixado. Meu terapeuta fingia não saber por quê.”
Oito meses depois, seu ex-namorado lhe contou o que o pai e o terapeuta tinham feito. Foi a motivação necessária para romper o relacionamento com o pai e abandonar o tratamento com o profissional, de quem já era dependente – “eu amava, acreditava e confiava nele”.
Shurka voltou a falar com a mãe, que lhe convenceu a fazer uma terapia normal. “Era bem melhor, mas não importava o quão bom era, eu sentia que não estava tentando o suficiente. Eu estava convencido de que ser gay era uma escolha e que era minha culpa.”
Sozinho, entrou e saiu de mais dois tratamentos na linha da “cura gay”.
“Aos 20, sem conseguir terminar a faculdade, confuso, entrei em uma depressão profunda, engordei 30 kg. Ficava dias sem sair do meu apartamento, não gostava de nada do que eu era. Me cortava, pensando em me suicidar.”
O jovem chegou a passar um fim de semana em um acampamento de “cura gay”, onde cerca de 60 homens eram obrigados a reencenar casos de abuso sexual que supostamente os teriam levado à homossexualidade.
Aos 21, Shurka se mudou para Manhattan, em Nova York, onde trabalhou como garçom em um restaurante gerenciado por uma lésbica. “Ela era uma mulher forte, que me inspirou muito.” Também passou a ver muitos homens gays bem-sucedidos que frequentavam o restaurante.
“Basicamente, estava vendo pela primeira vez como tudo aquilo era normal”, diz. Voltou a frequentar terapias, mas, dessa vez, regulares, embora fosse muito difícil confiar nos profissionais outra vez.
Aceitação
Dois anos depois, em 2012, Shurka saiu do armário, ainda muito inseguro e temeroso com a reação das pessoas. Naquele ano, frequentou um curso para desenvolvimento pessoal. Voltou convicto de que teria de fazer as pazes com o pai e com o terapeuta.
“Depois de cinco anos sem falar com ele e de tê-lo processado durante o divórcio dos meus pais, fui falar com ele. Quando eu disse de novo que era gay e que estava feliz com isso, ele repetiu o discurso de que eu ia ser infeliz, me machucar. Não acreditei”, afirma.
“Mas respondi: ‘Pai, não tem com o que se preocupar. Vai ficar tudo bem. Vou viver uma vida maravilhosa’. E ele aceitou.”
Hoje, conta, seu pai é um dos seus melhores amigos. Pediu desculpas por tê-lo levado a terapias de “cura gay” e até foi para a parada gay com o filho neste ano.
Shurka também se encontrou-se com o terapeuta que lhe prometera “curar” e que ministrou Viagra e interferiu em seu relacionamento quando tinha 19 anos. “Ele chorou e admitiu ter ‘tratado’ outros 13 meninos. Disse que não os havia ‘curado’.”
O terapeuta, afirma, se arrepende e diz não acreditar mais em “cura gay”.
Falando à BBC Brasil de seu escritório em Nova York, Mathew Shurka, hoje com 28 anos, tornou-se um ativista contra a terapia de “reversão sexual” nos Estados Unidos e no mundo à frente da campanha “Born Perfect” (“nascido perfeito”, em tradução literal).
Segundo ele, a maior parte das pessoas que acaba em tratamentos do tipo são adolescentes, filhos de pais assustados que veem no terapia uma solução. E o tratamento, afirma, multiplica as chances de suicídio entre a população gay.
“Mesmo depois de sair do armário, as pessoas que passam pelo tratamento da ‘cura gay’ foram tão abusadas psicologicamente e têm tantos traumas que ainda têm dificuldade de se aceitar”, diz.
Ele mesmo sofre de ansiedade e ainda está se curando dos anos nas terapias pelas quais passou. “Mas estou rodeado de pessoas que me amam e me apoiam.”
Fonte:BBC Brasil