Precursor do uso terapêutico da cocaína, Freud empregou a droga, em doses ínfimas, no tratamento de um morfinômano. O sucesso inicial da experiência viu-se comprometido pela gravidade do efeito colateral: livre da morfina, o paciente tornou-se dependente da cocaína.
Cocaína é um alcalóide de fórmula química C17H21NO4, extraído das folhas da
coca (Erythroxylun coca), arbusto natural dos altiplanos andinos pertencente à
família das eritroxiláceas. Suas folhas são ovaladas ou elípticas; as flores,
pequenas e brancas e o fruto, vermelho e brilhante. Muitos povos ameríndios
mascavam as folhas da coca para suportar a fome, a sede e o cansaço por longos
períodos. O hábito ainda perdura entre as populações pobres de alguns dos países
sul-americanos, principalmente a Bolívia.
Depois de refinada, a cocaína se apresenta na forma de pó branco e
cristalino. Em contato com as mucosas, é absorvida e passa a exercer ação tóxica
sobre o sistema nervoso central; por isso, é mais freqüentemente consumida por
inalação. Com o correr do tempo, a prática pode levar o usuário à perfuração do
septo nasal. A droga é também consumida por injeção intravenosa, isolada ou
associada à morfina. O tráfico de cocaína tornou-se um dos negócios mais
lucrativos do mundo, viga mestra do crime internacionalmente organizado. Até o
final do século XX, a repressão exercida por governos de quase todas as nações e
os altos preços da droga não foram eficazes para reduzir seu comércio e consumo.
Em cada quilo de pasta base de cocaína são gastos 30 litros de derivados benzênicos, 20 litros de solventes orgânicos, 1 quilo de substâncias oxidantes e mais 4 quilos de produtos diversos, sendo misturado ainda soda cáustica, solução de bateria de carro, água sanitária, cimento e hormônio para a engorda de gado.
Um dos principais efeitos da cocaína, como de outras substâncias tóxicas, é a euforia, estado de duração variável que combina sensações de poder, segurança e suficiência com eliminação do medo ou ansiedade. Como esses efeitos se dissipam em pouco tempo, apresenta-se a necessidade de usar novas doses.
De acordo com a freqüência do uso, a substância provoca quadros de
toxicidade em diferentes graus. No quadro agudo, decorrente de múltiplas
aspirações ou injeções em curto espaço de tempo, pode causar ao usuário
disfunções importantes no sistema nervoso central e neurovegetativo, com
sintomas como perda de apetite, taquicardia, elevação da pressão arterial,
tremores, delírios, alucinações e convulsões. A morte pode ocorrer por colapso
do aparelho respiratório.
O quadro crônico ocorre depois de semanas ou meses de uso moderado mas
freqüente. Comporta uma atividade mental delirante, de tipo paranóide, com
sintomas semelhantes aos da esquizofrenia. O usuário tem alucinações visuais e
táteis nítidas e não raro descreve sensações como a de ser picado na pele,
sofrer escoriações ou ter o corpo infestado de parasitas.
Uma característica que diferencia a cocaína de outras substâncias tóxicas de
efeitos análogos é o fato de não suscitar tolerância do organismo. Após a
primeira dose, as aplicações seguintes continuam a produzir o mesmo efeito, não
sendo necessário o aumento de dosagem para que se produzam as mesmas sensações.
Estudos feitos com usuários crônicos demonstram que, após interrupção das
aplicações, eles podem retomar o uso da droga na quantidade e freqüência
habituais sem entrar em quadro de intoxicação aguda.
É ainda discutível o fato de a cocaína causar dependência orgânica, quadro
que se caracteriza por mudanças significativas das condições funcionais do
organismo decorrentes da utilização prolongada de uma substância. A dependência
exige continuidade no uso da droga e a suspensão desta acarreta a chamada
síndrome de abstinência. Como ocorre com outras substâncias similares, a
suspensão do uso da cocaína não provoca o quadro típico de abstinência, mas seus
efeitos são mais ou menos equivalentes: o paciente que interrompe de súbito o
uso da cocaína apresenta sonolência, fadiga e lassidão, além de aumento do
apetite e distúrbios do sono. Tais sintomas desaparecem com a retomada do uso.