J. G. de Araújo Jorge

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AMOR… DE MENTIRAS

I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Com pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?

II
Eram brancas as mãos, brancas e puras,
mãos de lã, de pelúcia, mãos amadas…
Como prever, vendo-as fazer ternuras,
que nas unhas traziam emboscadas ?

Era tão doce o olhar… em conjeturas
felizes, e em promessas impensadas…
Como enxergar, portanto, as amarguras
e as frias traições nele guardadas ?

Como pensar em duas, se somente
uma eu tinha em meus braços, e adorava,
e a outra, – uma impostora, – se mantinha ausente.

E, afinal, como ver, nessa alegria,
que o amor que tanta Vida me ofertava
seria o mesmo que me mataria ?

EXALTAÇÃO DO AMOR

Sofro, bem sei… Mas se preciso fôr
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrêla alcançar… colher a flor…

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor… com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser…

Deus o pôs… Ninguém mais há de dispor!

Se êsse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!

ORGULHO E RENÚNCIA

Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor…
Se tudo terminou a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior…

Não te condeno nem te recrimino
ninguém tem culpa do que aconteceu…
Nem posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu!

Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
-se esse amor não devia Ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim…

Não te condeno nem te recrimino
tinha que ser! Tudo passou, morreu!
Cada qual traz do berço seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!

Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que ainda ontem, – quem o sabe?
tenha sentido algum amor por mim…

Não procures mentir. Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
– não tens culpa se te amo… se me iludo,
se a vida para mim é que foi má…

Vês? Meus olhos chorando estão contentes!
Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga…

Parte. E que nunca sofrer alguém te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
– pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for…

Pensa que tudo foi uma tolice…
Só mais tarde, bem sei, – compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor… que não direi jamais!

O VERBO AMAR

Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente…

Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.

Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.

Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando…

Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!

ORQUÍDEA

Está em teu corpo, como a flor
sobre o abismo
presa ao ramo oscilante
num aceno de vida ou de morte.

Flor de sombra e mistério, nascida
em teu corpo,
velada, escondida,
rara orquídea na penumbra da mata
entre réstias de sol.

Diante dela me ajoelho, como num altar,
deslumbrado de vê-la,
e quero então alcançá-la… e a alcanço sempre,
sem colhê-la…

Flor de sombra e mistério
flor de nuvens e de algas
flor de líquens
que me atrai,
que colho sempre… me deslumbra
e foge,
e de repente, se esvai.. .

VOLÚPIA

Quisera te associar à pureza e à candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…

Não poderei dizer apenas que és formosa
quando a própria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pétalas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!

Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visão de teus seios…

E em vão tento associar-te ao céu, à fonte, à flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu último estertor!