Jenário de Fátima

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AMOR EM ESTADO BRUTO

O meu amor é algo complicado,
Pois é engenhoso, insubmisso, astuto.
É um segredo ainda não revelado
É um mistério vago, irresoluto.

O meu amor não fica emocionado,
Ao descompasso que do peito escuto
É um diamante ainda não lapidado
É feito a jóia, quando em estado bruto.

E este amor que tanto desconheço,
Que ora me eleva, ora me subestima
Por qual me alegro e por qual padeço

Que me derrota, ou que me põe por cima
É o sentimento o qual pago o preço
De ficar horas para achar-lhe a rima.

DANÇA DO TEMPO

Era um outro tempo, dentre outras eras.
Via no mundo um fervilhar de cores,
Na boca o gosto doce dos sabores,
No campo o sol bordava primaveras.

Não se existia o tédio das esperas.
Acontecia tudo sem favores.
Por entre os beijos fartos dos amores
O tempo deslizava outras esferas.

Mas aquele tempo foi-se,um outro veio.
Este mais sério,mais sisudo e feio
(Pra velhos o tempo não faz folia…)

Assim eu fico preso nas lembranças
Enquanto no relógio seguem as danças
Das horas sonolentas do meu dia.

DORES DE AMOR

Dores de amor é mal que não se evita,
Que não se corta, mal que não se doma.
Quando acontece, rouba, furta, toma
Toda alegria que num peito habita.

A partir dele tudo se conflita.
Tudo embolora, tudo perde o aroma.
Um mal que chega e ao primeiro sintoma
Um caos se desmorona n´alma aflita

Somente o tempo a este mal dá cura,
Mas entrementes, cola em nossos traços,
Profundas rugas, marcas da tortura,

De quando a dor delimitava espaços,
E quando sai deixa a triste figura,
De muitos sonhos feitos aos pedaços

RETRATO FALADO

Na procura do meu “eu”
Faço um retrato falado.
Que depois de terminado
Sinto que algo não bateu.

Sinto que algo se perdeu
Sinto que algo deu errado
Este ar atarrancado
Não creio que seja meu.

Ponto a ponto…traço a traço
Faço…defaço…refaço…
Mas surge a mesma expressão.

Cansado percebo enfim
Que tudo que sei de mim
…É só uma mera ilusão…

TANTO AMOR

Porque te agitas coração magoado?
E te estremeces assim deste jeito?…
Onde é que cabe tanto amor guardado
Neste tão frágil pequenino peito?

Porque te bates tão desesperado
Se pouco ou nada mais pode ser feito?
Se quem tu sonhas tanto do seu lado,
Já nem mais sabes quem és tu direito?

Oh! Coraçãozinho insensato e tolo,
Entregue ao tempo o que te aflige agora.
Pense que ainda possa haver consolo,

Em qualquer coisa seja qual ela for.
Pense também que exista mundo afora
Quem queira um pouco de seu tanto amor.

UM PÉ DE SALSA

Quando era criança, em meu quintal havia
Um pé de salsa, de um talo bem grosso.
Que teimosamente espalhava, crescia
Pelo caminho que ia da sala ao fosso.

Dele algumas vezes eu me servia,
Quando achava meio insipido, insosso
O prato simples que mamãe fazia
E entregava para o meu almoço.

As suas folhinhas eu esmiuçava
E um tom de verde meu prato ondeava
Com mamãe me olhando em seu jeito terno.

Pelas mesas hoje há requinte, esmero,
Aromas exóticos, raros temperos
…Mas nada tem o gosto do olhar materno!