Públio Ovídio Nasão

rosa105

A ARTE DE AMAR

I
Tal como o povo, tal como o juiz
E o selecto senado se rendem à eloquência,
À arte embaladora das palavras
As mulheres não opõem resistência.
Mas os recursos oculta do teu verbo;
Evite o teu discurso o tom pedante.
Só um pobre de espírito faria
Um pomposo discurso à sua amante
(…) Que o teu estilo seja natural
E as palavras comuns, embora ternas,
À mulher que escreveres procura dar
Naturalmente a impressão de que te está a ouvir falar.

II
É no leito, acredita, que a Concórdia, sem armas, eternamente habita.
A cama é o lugar onde nasce o perdão.
As pombas que ainda há pouco se batiam
Unem os bicos e o seu arrolhar é o amor a falar.
Apressar o termo da volúpia,
Acredita, não é conveniente,
Mas depois de atrasos que a demorem
Chegar à meta insensivelmente.
E antes de encontrares aquela região
Onde as carícias têm melhor acolhimento
Não te impeça o pudor de a afagar.
Como os raios do sol quando são refletidos
No espelho da água transparente,
Nos olhos da amante, esse trémulo brilho tu verás cintilar.
III
Que a meta seja atingida ao mesmo tempo.
São guindados ao cume da volúpia
O homem e a mulher quando vencidos
Ficam na cama, sem forças, estendidos.

CANTOS TRISTES

A soleira da porta, eu toquei,
por três vezes,
e fui chamado de volta,
ah! de volta fui chamado
por três vezes!

O meu próprio pé era lento
indulgente era com meu espírito!
Muitas coisas, muitas vezes,
eu falei… eu falei
e como se me afastasse,
dei-lhe o derradeiro
beijo.

Enfim, por que a pressa?
Roma deixo,
Cítia é para onde sou enviado,
devo deixar
a Cidade:
as duas, justas esperas.

Enfim, por que me apressar?
Sem demora, deixo
do meu discurso,
as palavras inacabadas,
abraçando com meu espírito partido
todas,
todas as pessoas mais amadas.

Sou dividido
tal como se me privassem
dos meus membros!
Pareceu-me que
uma parte de mim mesmo,
do corpo, foi arrancada,
e, neste momento,
explode o gemido,
explode o brado,
o brado e o gemido
dos meus entes
mais queridos!
Meus punhos tristes
feriram o meu peito nu!

Neste momento, partido
e partindo, enlaçando-se
aos meus ombros,
minha esposa misturou
às lágrimas
estas palavras tristes:
“Tu não podes, de mim, ser tirado!
Juntos, ah! sim, juntos
iremos.
Seguirei-te! Seguirei-te!
E serei
a esposa do exilado.

Para mim o caminho
está consumado,
a longínqua terra me tem!
Acrescentar-me-ei
como insignificante bagagem
ao funesto navio
que parte, que se perde
no salgado rio;
a ira de César ordena
que te afastes da pátria,
Piedade de mim! Piedade!
O imperador será pio comigo, amor!”
Tais coisas ela tentava
assim como antes tentara,
mas, com dificuldade,
deu as mãos vencidas pela utilidade
de, em Roma, permanecer,
em busca da imperial piedade.

Permanecer
não me é permitido.
Devo partir.
Parto, mas este sofrimento
deveria ser suportado
sem dor.

OS AMORES

Era intenso o calor, passava do meio dia;
Estava eu em minha cama repousando.
(…) Eis que vem Corina numa túnica ligeira,
Os cabelos lhe ocultando o alvo pescoço;
Assim entrava na alcova a formosa Semiramis,
Dizem, e Laís que amaram tantos homens.
Tirei-lhe a túnica, mas sem empenho de vencer:
Venceu-a, sem mágoa, a sua traição.
Ficou em pé, sem roupa, ali diante de meus olhos.
Em seu corpo não havia um só defeito.
Que ombros e que braços me foi dado ver, tocar!
Os belos seios, que doce comprimi-los!
Que ventre mais polido logo abaixo do peito!
Que primor de ancas, que juvenil a coxa!
Por que pormenorizar? Nada vi não louvável,
E lhe estreitei a nudez contra o meu corpo.
O resto, quem não sabe? Exaustos, repousamos.
Que outros meios-dias me sejam tão prósperos.