Marina Colasanti

rosa041

CANÇÃO PARA UM HOMEM

Porque era um homem sincero
eu o levei ao rio entre junquilhos.
Mas sincero não era
era só homem
e deixei nos junquilhos a esperança
de dar à minha espera serventia.

Porque era um homem forte
eu o levei ao rio entre junquilhos.
Mas forte ele não era
era só homem
e entre pedras deixei o meu desejo
de abandonar o arado, a forja, e a lança.

Porque podia me amar
eu o levei ao rio entre junquilhos.
Mas amante não era
era só homem
e na água afoguei a minha sede
de palavras mais doces que ambrosia.

Porque era um homem
só homem
eu o levei ao rio entre junquilhos.

CORPO ADENTRO

Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.

Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.

Teu corpo é pele exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.

EU SEI, MAS NÃO DEVIA

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

PORTA DO ARMÁRIO ABERTA

Abro a porta do armário
como abro um diário,
a minha vida ali
dependurada
meu frusto cotidiano
sem segredos
intimidade exposta
que os botões não defendem
nem se veda nos bolsos,
espelho mais real que todo espelho
entregando à devassa
as medidas do corpo.

Armário
tabernáculo do quarto
que abro de manhã
como à janela
para sagrar o ritual do dia.
Sala de Barba Azul
coalhada de pingentes
longas saias e véus
emaranhados sem que sangue goteje.
Corpos decapitados
ausentes minhas mãos
dos murchos braços.

Do armário minhas roupas
me perseguem
como baú de herança ou
maldição.
Peles minhas pendentes
em repouso
silenciosas guardiãs
dos meus perfumes
tessituras de mim
mais delicadas
que a luz desbota
que o tempo gasta
que a traça rói
ainda assim durarão nos seus cabides
muito mais do que eu sobre meus ossos.

Nenhuma levarei.
Irei despida
deixando atrás de mim
a porta aberta.

SEXTA-FEIRA À NOITE

Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.

TUA MÃO EM MIM

Você me acorda no meio da noite
e eu que navegava tão distante
cravada a proa em espumas
desfraldados os sonhos
afloro de repente entre as paradas ondas dos lençóis
a boca ainda salgada mas já amarga
molhada a crina
encharcados os pêlos
na maresia que do meu corpo escorre.
Cravam-se ao fundo os dedos do desejo.
A correnteza arrasta.
Só quando o primeiro sopro escapar
entre os lábios da manhã
levantarei âncora.
Mas será tarde demais.
O sol nascente terá trancado o porto
e estarei prisioneira da vigília.

 

Alberto Caeiro

9kptGkeDZD

A ESPANTOSA REALIDADE DAS COUSAS

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

DIZES-ME

Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.

Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.

Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.

Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.

Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,

Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, “é uma pedra”,
Digo da planta, “é uma planta”,
Digo de mim, “sou eu”.
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?

É NOITE

É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância
Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,
Atrai-me só por essa luz vista de longe.
Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.
Mas agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,
Em relação à distância onde estou há só aquela luz.
O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.
Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir?

GOZO OS CAMPOS

Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas idéias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma cousa dos ruídos indistintos das cousas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas órbitas,
E só um resto de vida ouve.

SE DEPOIS DE EU MORRER

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto corri o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.

VIVE

Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.

 

Cora Coralina

Flower Animation

ANINHA E SUAS PEDRAS

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha um poema.

E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.

Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

A GLEBA ME TRANSFIGURA

Sinto que sou abelha no seu artesanato.
Meus versos tem cheiro de mato, dos bois e dos currais.
Eu vivo no terreiro dos sítios e das fazendas primitivas.
(…)
Minha identificação profunda e amorosa
com a terra e com os que nela trabalham.
A gleba me transfigura. Dentro da gleba,
ouvindo o mugido da vacada, o mééé dos bezerros.
O roncar e focinhar dos porcos o cantar dos galos,
o cacarejar das poedeiras, o latir do cães,
eu me identifico.
Sou arvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto sou mato, sou paiol
e sou a velha tulha de barro.

Pela minha voz cantam todos os pássaros,
piam as cobras
e coaxam as rãs, mugem todas as boiadas que
vão pelas estradas.
Sou espiga e o grão que retornam a terra.
Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando,
é o arado milenário que sulca.
Meus versos tem relances de enxada, gume de foice
e o peso do machado.
Cheiro de currais e gosto de terra.
(…)
Amo aterra de um velho amor consagrado.
Através de gerações de avós rústicos, encartados
nas minas e na terra latifundiária, sesmeiros.
A gleba está dentro de mim. Eu sou a terra.
(…)
Em mim a planta renasce e flosrece, sementeia e sobrevive.
Sou a espiga e o grão fecundo que retorna à terra.
Minha pena é enxada do plantador, é o arado que vai sulcando.
Para a colheita das gerações.
Eu sou o velho paiol e a velha tulha roceira.
Eu sou a terra milenária, eu venho de milênios
Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada
e fecundada no ventre escuro da terra.

MASCARADOS

Saiu o Semeador a semear
Semeou o dia todo
e a noite o apanhou ainda
com as mãos cheias de sementes.

Ele semeava tranqüilo
sem pensar na colheita
porque muito tinha colhido
do que outros semearam.

Jovem, seja você esse semeador
Semeia com otimismo
Semeia com idealismo
as sementes vivas
da Paz e da Justiça.

MULHER DA VIDA

Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.’

POEMA DO MILHO

Milho…
Punhado plantado nos quintais.
Talhões fechados pelas roças.
Entremeado nas lavouras,
Baliza marcante nas divisas.
Milho verde. Milho seco.
Bem granado, cor de ouro.
Alvo. Às vezes vareia,
– espiga roxa, vermelha, salpintada.

Milho virado, maduro, onde o feijão enrama
Milho quebrado, debulhado
na festa das colheitas anuais.

Bandeira de milho levada para os montes
largada pelas roças:
Bandeiras esquecidas na fartura.
Respiga descuidada
dos pássaros e dos bichos.

Milho empaiolado.
abastança tranqüila
do rato,
do caruncho.
do cupim.
Palha de milho para o colchão.
Jogada pelos pastos.
Mascada pelo gado.
Trançada em fundos de cadeiras.

Queimada nas coivaras.
Leve mortalha de cigarros.
Balaio de milho trocado com o vizinho
no tempo da planta.
“- Não se planta, nos sítios, semente da mesma terra”.

Ventos rondando, redemoinhando.
Ventos de outubro.

Tempo mudado. Revôo de saúva.
Trovão surdo, tropeiro.
Na vazante do brejo, no lameiro,
o sapo-fole, o sapo-ferreiro, o sapo-cachorro.
Acauã de madrugada
marcando o tempo, chamando chuva.
Roça nova encoivarada,
começo de brotação.
Roça velha destocada.
Palhada batida, riscada de arado.
Barrufo de chuva.
Cheiro de terra; cheiro de mato,
Terra molhada, Terra saroia.
Noite chuvada, relampeada.
Dia sombrio. Tempo mudado, dando sinais.
Observatório: lua virada. Lua pendida…
Circo amarelo, distanciado,
marcando chuva.
Calendário, Astronomia do lavrador.

planta de milho na lua-nova.
Sistema velho colonial.
Planta de enxada.
Seis grãos na cova,
quatro na regra, dois de quebra.
Terra arrastada com o pé,
pisada, incalcada, mode os bichos.

Lanceado certo-cabo-da-enxada…
Vai, vem… sobe, desce…
terra molhada, terra saroia…
Seis grãos na cova; quatro na regra, dois de quebra
Sobe. Desce…
Camisa de riscado, calça de mescla
Vai, vem…
golpeando a terra, o plantador.

Na sombra da moita,
na volta do toco – o ancorote d’água:

Cavador de milho, que está fazendo?
A que milênios vem você plantando.
Capanga de grãos dourados a tiracolo.
Crente da Terra, Sacerdote da terra.
Pai da terra.
Filho da terra.
Ascendente da terra.
Descendente da terra.
Ele; mesmo; terra.

Planta com fé religiosa.
Planta sozinho, silencioso.
Cava e planta.
Gestos pretéritos, imemoriais…
Oferta remota; patriarcal.
Liturgia milenária.
Ritual de paz.
Em qualquer parte da Terra
um homem estará sempre plantando,
recriando a Vida.
Recomeçando o Mundo.

Milho plantado; dormindo no chão, aconchegados
seis grãos na cova.
Quatro na regra, dois de quebra.
Vida inerte que a terra vai multiplicar

Evém a perseguìção:
o bichinho anônimo que espia, pressente.
A formiga-cortadeira – quenquém.
A ratinha do chão, exploradeira.
A rosca vigilante na rodilha,
O passo-preto vagabundo, galhofeiro,
vaiando, sorrindo…
aos gritos arrancando, mal aponta.
O cupim clandestino
roendo, minando,
só de ruindade.

E o milho realiza o milagre genético de nascer:
Germina. Vence os inimigos,
Aponta aos milhares.
– Seis grãos na cova.
– Quatro na regra, dois de quebra,
Um canudinho enrolado.
Amarelo-pálido,
frágil, dourado, se levanta.
Cria sustância.
Passa a verde.
Liberta-se. Enraíza,
Abre folhas espaldeiradas.
Encorpa. Encana. Disciplina,
com os poderes de Deus.

Jesus e São João
desceram de noite na roça,
botaram a bênção no milho,
E veio com eles
uma chuva maneira, criadeira, fininha,
uma chuva velhinha,
de cabelos brancos,
abençoando
a infância do milho.

O mato vem vindo junto,
Sementeira.

As pragas todas, conluiadas.
Carrapicho. Amargoso. Picão.
Marianinha. Caruru-de-espinho.
Pé-de-galinha. Colchão.
Alcança, não alcança.
Competição.
Pac… Pac… Pac…
a enxada canta.
Bota o mato abaixo.
arrasta uma terrinha para o pé da planta.
“…- Carpa bem feita vale por duas…”
Quando pode. Quando não… sarobeia.
Chega terra O milho avoa.

Cresce na vista dos olhos.
Aumenta de dia. Pula de noite.
Verde Entonado, disciplinado, sadio.

Agora…
A lagarta da folha,
lagarta rendeira…
Quem é que vê?
Faz a renda da folha no quieto da noite.
Dorme de dia no olho da planta,
Gorda; Barriguda. Cheia.
Expurgo: nada… força da lua..,
Chovendo acaba – a Deus querê.

“O mio tá bonito…”
“-Vai sê bão o tempo pras lavoras todas.”
“-O mio tá marcando…”
Condieionando o futuro:
“- O roçado de seu Féli tá qui fais gosto…
Um refrigério”
“- O mio lá tá verde qui chega a s’tar azur…”
– Conversam vizinhos e compadres.

Milho crescendo, garfando,
esporando nas defesas…

Milho embandeirado.
Embalado pelo vento.

“Do chão ao pendão, 60 dias vão”.

Passou aguaceiro, pé-de-vento.
“- O milho acamou…” “- Perdido?”… Nada…
Ele arriba com os poderes de Deus…”
E arribou mesmo; garboso, empertigado, vertical

No cenário vegetal
um engraçado boneco de frangalhos
sobreleva, vigilante.
Alegria verde dos periquitos gritadores…
Bandos em seqüência… Evolução…
Pouso… retrocesso.

Manobras em conjunto.
Desfeita formação.
Roedores grazinando, se fartando,
foliando, vaiando
os ingênuos espantalhos.

“Jesus e São João
andaram de noite passeando na lavoura
e botaram a bênção no milho”.
Fala assim gente de roça e fala certo.
Pois não está lá na taipa do rancho
o quadro deles, passeando dentro dos trigais?
Analogias… Coerências.

Milho embandeirado
bonecando em gestação.
– Senhor!… Como a roça cheira bem!
Flor de milho, travessa e festiva.
Flor feminina, esvoaçante, faceira.
Flor masculina – lúbrica, desgraciosa.

Bonecas de milho túrgidas,
negaceando, se mostrando vaidosas.
Túnicas, sobretúnicas…
saias, sobre-saias…
Anáguas… camisas verdes.
Cabelos verdes…
– Cabeleiras soltas, lavadas, despenteadas…
– O milharal é desfile de beleza vegetal.

Cabeleiras vermelhas, bastas, onduladas.
Cabelos prateados, verde-gaio.
Cabelos roxos, lisos, encrespados.
Destrançados.
Cabelos compridos, curtos,
queimados, despenteados.
Xampu de chuvas…
Flagrâncias novas no milharal.
– Senhor, como a roça cheira bem!…

As bandeiras altaneiras
vão se abrindo em formação.
Pendões ao vento.
Extravasão da libido vegetal.
procissão fálica, pagã.
Um sentido genésico domina o milharal.
Flor masculina erótica, libidinosa,
polinizando, fecundando
a florada adolescente das bonecas:

Boneca de milho, vestida de palha…
Sete cenários defendem o grão
Gordas, esguias, delgadas; alongadas
Cheias, fecundadas.
Cabelos soltos excitantes.
Vestidas de palha.
Sete cenários defendem o grão,
Bonecas verdes, vestidas de noiva
Afrodisíacas, nupciais…

De permeio algumas virgens loucas…
Descuidadas. Desprovidas.
Espigas falhadas. Fanadas. Macheadas.

Cabelos verdes. Cabelos brancos.
Vermelho-amarelo-roxo, requeimado…
E o pólen dos pendões fertilizando…
Uma fragrância quente, sexual
invade num espasmo o milharal.
A boneca fecundada vira espiga.
Amortece a grande exaltação.
Já não importam as verdes cabeleiras rebeladas
A espiga cheia salta da haste.
O pendão fálico vira ressecado, esmorecido,
No sagrado rito da fecundação.

Tons maduros de amarelo.
Tudo se volta para a terra-mãe.
O tronco seco é um suporte, agora,
onde o feijão verde trança, enrama, enflora.

Montes de milho novo, esquecidos,
marcando claros no verde que domina a roça.
Bandeiras perdidas na fartura das colheitas.
Bandeiras largadas, restolhadas.
E os bandos de passo-pretos galhofeiros
gritam e cantam na respiga das palhadas.

“Não andeis a respigar” – diz o preceito bíblico
O grão que cai é o direito da terra.
A espiga perdida – pertence às aves
que têm seus ninhos e filhotes a cuidar.
Basta para ti, lavrador,
o monte alto e a tulha cheia.
Deixa a respiga para os que não plantam nem colhem
– O pobrezinho que passa.
– Os bichos da terra e os pássaros do céu.

TODAS AS VIDAS

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.

Florbela Espanca

images (3)

AMAR!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui…além…
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!

Recordar?Esquecer?Indiferente!…
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder… pra me encontrar…

ESPERAS…

Não digas adeus, ó sombra amiga,
Abranda mais o ritmo dos teus passos;
Sente o perfume da paixão antiga,
Dos nossos bons e cândidos abraços!

Sou a dona dos místicos cansaços,
A fantástica e estranha rapariga
Que um dia ficou presa nos teus braços…
Não vás ainda embora, ó sombra amiga!

Teu amor fez de mim um lago triste:
Quantas ondas a rir que não lhe ouviste,
Quanta canção de ondinas lá no fundo!

Espera… espera… ó minha sombra amada…
Vê que p’ra além de mim já não há nada
E nunca mais me encontras neste mundo!…

HORAS RUBRAS

Horas profundas,lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…

Ouço as olaias rindo desgrenhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas…

Os meus lábios são brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…

Sou chama e neve branca misteriosa…
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

TÉDIO

Passo pálida e triste. Oiço dizer
“Que branca que ela é! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer…

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
-O que é que isso me faz?… o que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que isso me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo,eternamente…
O mesmo lago plácido,dormente dias,
E os dias,sempre os mesmos,a correr…

VAIDADE

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade !

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !

Sonho que sou Alguém cá neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada !

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E não sou nada! …

VERSOS DE ORGULHO

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho ! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.

Porque o meu Reino fica para além …
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus !
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém !

O mundo ? O que é o mundo, ó meu Amor ?
__O jardim dos meus versos todo em flor …
A seara dos teus beijos, pão bendito …

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços …
__São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.

 

Carlos Drummond de Andrade

flor azul

AS SEM-RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

INCONFESSO DESEJO

Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

POEMA DE SETE FACES

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

TARDE DE MAIO

Como esses primitivos que carregam por toda parte o
maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.

Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto e passa…
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.

Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.

E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
Nem houve testemunha.

Nunca há testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?
Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
perdida no ar, por que melhor se conserve,
uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.

 

Jenário de Fátima

images (8)

AMOR EM ESTADO BRUTO

O meu amor é algo complicado,
Pois é engenhoso, insubmisso, astuto.
É um segredo ainda não revelado
É um mistério vago, irresoluto.

O meu amor não fica emocionado,
Ao descompasso que do peito escuto
É um diamante ainda não lapidado
É feito a jóia, quando em estado bruto.

E este amor que tanto desconheço,
Que ora me eleva, ora me subestima
Por qual me alegro e por qual padeço

Que me derrota, ou que me põe por cima
É o sentimento o qual pago o preço
De ficar horas para achar-lhe a rima.

DANÇA DO TEMPO

Era um outro tempo, dentre outras eras.
Via no mundo um fervilhar de cores,
Na boca o gosto doce dos sabores,
No campo o sol bordava primaveras.

Não se existia o tédio das esperas.
Acontecia tudo sem favores.
Por entre os beijos fartos dos amores
O tempo deslizava outras esferas.

Mas aquele tempo foi-se,um outro veio.
Este mais sério,mais sisudo e feio
(Pra velhos o tempo não faz folia…)

Assim eu fico preso nas lembranças
Enquanto no relógio seguem as danças
Das horas sonolentas do meu dia.

DORES DE AMOR

Dores de amor é mal que não se evita,
Que não se corta, mal que não se doma.
Quando acontece, rouba, furta, toma
Toda alegria que num peito habita.

A partir dele tudo se conflita.
Tudo embolora, tudo perde o aroma.
Um mal que chega e ao primeiro sintoma
Um caos se desmorona n´alma aflita

Somente o tempo a este mal dá cura,
Mas entrementes, cola em nossos traços,
Profundas rugas, marcas da tortura,

De quando a dor delimitava espaços,
E quando sai deixa a triste figura,
De muitos sonhos feitos aos pedaços

RETRATO FALADO

Na procura do meu “eu”
Faço um retrato falado.
Que depois de terminado
Sinto que algo não bateu.

Sinto que algo se perdeu
Sinto que algo deu errado
Este ar atarrancado
Não creio que seja meu.

Ponto a ponto…traço a traço
Faço…defaço…refaço…
Mas surge a mesma expressão.

Cansado percebo enfim
Que tudo que sei de mim
…É só uma mera ilusão…

TANTO AMOR

Porque te agitas coração magoado?
E te estremeces assim deste jeito?…
Onde é que cabe tanto amor guardado
Neste tão frágil pequenino peito?

Porque te bates tão desesperado
Se pouco ou nada mais pode ser feito?
Se quem tu sonhas tanto do seu lado,
Já nem mais sabes quem és tu direito?

Oh! Coraçãozinho insensato e tolo,
Entregue ao tempo o que te aflige agora.
Pense que ainda possa haver consolo,

Em qualquer coisa seja qual ela for.
Pense também que exista mundo afora
Quem queira um pouco de seu tanto amor.

UM PÉ DE SALSA

Quando era criança, em meu quintal havia
Um pé de salsa, de um talo bem grosso.
Que teimosamente espalhava, crescia
Pelo caminho que ia da sala ao fosso.

Dele algumas vezes eu me servia,
Quando achava meio insipido, insosso
O prato simples que mamãe fazia
E entregava para o meu almoço.

As suas folhinhas eu esmiuçava
E um tom de verde meu prato ondeava
Com mamãe me olhando em seu jeito terno.

Pelas mesas hoje há requinte, esmero,
Aromas exóticos, raros temperos
…Mas nada tem o gosto do olhar materno!

 

Mírian Warttusch

rosa091

APRENDENDO

Foi tua vida, triste e mal vivida?
Esteve o fracasso, sempre em teu encalço?
Os teus amores se tornaram em dores?
– Perdidas lutas, desiguais disputas… –

Sentiste o logro? – Faz parte do jogo –
Pois quebrar a cara, não é coisa rara…
Ideais frustrados, novos almejados.
Tudo é vivência, tenhais paciência…

Perdas não existem; os fracos,sim,desistem.
É querer parar, e a vida empurrar…
Tempo é de refletir… e de saber agir…

Cair e levantar, de novo caminhar…
Por favor desperta, acorda,esteja alerta!
Saiba que viveste, e assim aprendeste!

DUAS ESTRELAS

Divinas, mansas, perenes,
Cintilam de amor tamanho,
Toda noite no meu leito,
Em sua luz eu me banho.

Chegam tão apaixonadas,
Universo de delícias…
Nosso encontro… é madrugada…
Dardejam loucas carícias.

Estrelas que em cada ponta,
Guardam múltiplos anseios,
Cada qual, assim, mais tonta,
A viajar sobre os meus seios.

Segredo bom não se conta?
Conto sim… as tuas mãos,
São essas duas estrelas,
Perdidas na imensidão.

Na entrega, tanta loucura,
Quando teus dedos me tocam,
Como as pontas das estrelas,
Mil frenesis me provocam.

Cinco pontas cada estrela,
Brilhando na imensidão,
Ardorosas, se assemelham,
Aos dedos das tuas mãos.

Sempre unidos, céu e terra,
Universos consonantes,
Ganhando o céu, somos anjos,
Na Terra somos amantes.

DEVAGAR… DESLIZA… DEVAGAR

No quarto semi-obscuro,
Com o olhar te procuro…
Estás tão linda a repousar,
Teu alvo corpo, banhado de luar…
Dormes, alheia e pura,
Sem saber que te procura, o meu olhar…
Que a te adorar, se imobiliza…
Devagar desliza… devagar…
A sono solto,
Tens o corpo envolto
Em rendado baby-doll.

E no colo, ainda,
Tens a cor infinda do calor do sol.
Descansa no travesseiro,
Um rosto calmo e faceiro.

E com encanto tamanho,
Sedoso e belo teu cabelo castanho.
Mas, acordar-te, receio…
Fico do quarto ao meio,
Fitando teu belo seio,
Que leve… leve a arfar,
Ora se esconde,
Ora se banha de luar…
Deito ao teu lado e reflito…
– Mas não durmo, estou aflito…
De cá para lá, me agito
–Adivinhas meu desejo,
Acordas… e com um beijo,
Me dizes tão docemente:
Estiveste muito tempo ausente
…………………………………………
O primeiro albor de sol,
Ilumina o baby-doll,
Abandonado no chão…
E se derrama sobre ti
Que dormindo, ainda sorri,
Estreita ao meu coração!

SOMBRAS DA PAIXÃO

As nossas sombras, um dia se encontraram,
Paixão fulminante, à luz do sol se apaixonaram!
Chegou o breu da noite e tudo se apagou…
O tempo, implacável, nossa sombra dissipou…

Segui sozinha e nem mais soube de ti…
Muitas décadas se foram no tempo me perdi…
Sempre que minha sombra ao sol aparecia,
Estendia a mão, que retornava tão vazia…

Hoje passei por ti, nem te reconheci…
Não me reconheceste também; e assim segui…
Nossas sombras entanto, no muro projetadas,

Recordaram que se amaram em décadas passadas.
Quiseram se tocar… se amar de novo, alucinadas,
Mas nós seguimos, indiferentes, nossa estrada!

SEM SENTIDO

Teria algo a ver – teria? – a minha vida sem você?
Não teria sentido a minha vida, não teria, já se vê!
Tendo-te, tenho todo o sentido, e isto, a meu ver
É o que dá sentido à vida; eu falo, e você não crê!

Sem sentido, sem sentido, sem nenhum sentido ter
É eu buscar o sentido e nada sentido ter
Tem sentido isto que eu digo? Acho que não deve ter
Se nada assim, faz sentido, como isto resolver?

Sem solução, nem sentido, faz por justo, merecer,
Que eu dê a isto sentido, mesmo sem sentido ter.
Pensar, pra fazer sentido, de algum modo resolver

O que dá sentido à vida, procurando vai se ver
Que o que dá sentido à ela é procurar entender
Qual o seu real sentido. Faz sentido? Vai saber!

UM BALAIO DE BEIJOS

Ai que balaio danado de gostoso,
Cheio de beijos, ternuras e carinho
Balaio que eu guardo, juntinho do meu peito
Para aquelas horas em que estou sozinho…

Tiro dali um beijo bom de cada vez,
Um pouco de ternura vestida de amizade
Êta balaio que quando eu abro é todo luz,
Presente bom que guardarei na eternidade!

Quem não tiver um bom balaio, pode crer,
É porque não fez nada para isso merecer.
Ganhei o meu balaio, pois soube traduzir,

Minha amizade, o meu carinho e o meu amor;
Doei meu coração, eu tive fé, tive fervor.
E meus amigos todos, puderam isto sentir.

 

Mariana Bastos

images8

AMAR AO LUAR

Abraçar-te forte, deitada na areia,
Ter-te sobre mim, sedento de amor,
Sorver o teu beijo, que me incendeia,
Abrir-me em desejo, sem nenhum pudor…
Celebrar teu íntimo a me desvendar,
A me possuir, em carícias tamanhas,
Sob o testemunho de um doce luar,
Sou de ti completa, até às entranhas…

EU AMO AMAR…

Amo as manhãs de brisa primaveril
E amo as tardes solitárias de abril,
Quando o outono espalha folhas pelo ar…
Amo as noites calorosas de verão
E as geladas madrugadas, quando então,
Tu me aqueces de tanto me afagar…

Amo acolher-te em meu leito, ansioso,
Homem-menino, de carinhos desejoso,
Amante-mel, razão maior de meu viver…
Amo ceder-te, em minhas íntimas loucuras,
O que melhor de mim sei que procuras,
Amo demais me dar – e a ti satisfazer…

Mas se não vens, se tu te vais, me vejo enfim
Meio sem rumo, meio até fora de mim,
E ainda assim, eu sou feliz, fico a sonhar…
Porque, Amado, amar em si é alegria,
Eu amo o sonho, a saudade, a nostalgia,
E amo você, amo a vida…e eu amo amar!

EXCITAÇÃO POÉTICA

Quando escrevo, eu me excito
Só, de amor, pensar em ti…
Sinto as entranhas ardendo,
Vou com prazer remoendo
O que contigo vivi.

Ondas de calor me afagam,
Sofro a dor dos desejos.
E cada verso transpira
A excitação que me inspira
A buscar mais por teus beijos.

Cada poema que faço
É como amor fazer:
Tomar-te em mim, amado,
Sentir teu corpo adorado
Penetrando em meu querer…

Rolam as letras que traço
Como rolamos nós dois…
E permanecem mostrando,
Nosso prazer expressando
Antes, durante… e depois…

NOSSA PRIMEIRA VEZ…

Costuma-se muito dizer
Que o melhor mesmo da festa
É a gente esperar por ela…

Eu ando assim, meu amor:
O desejo aumentando…
Suspiros e devaneios,
Arfante roçar de seios,
Meu corpo está te chamando…

Percebo, dia após dia,
Que me desejas também.
E, enquanto não chega a hora,
Eu sonho, tal como agora,
Que desta vez você vem.

Que gosto terá teu beijo?
Um sabor de ambrosia
É o que estou imaginando,
Mas só saberei sugando
A tua boca macia…

Que aroma terá teu corpo?
Perfume de sedução…
Quero cheirá-lo inteirinho,
Saboreá-lo todinho,
Explodindo de paixão…

Nesta espera alucinada
Por tão ansiada festa,
Prazeres que tanto quero,
Em meu desejo sincero,
Aguardar é o que me resta.

Quero entregar-me inteira,
Com total insensatez,
Deixar-te me devorar,
E alucinadamente gozar
A nossa primeira vez…

PENSANDO EM TI

Penso em ti, amado, ao me despertar,
Se estás tão longe, sem poder trocar
Os nossos prazeres, nosso amor febril…
Fico na saudade, fico a perigo,
Ansiosa estou por me encontrar contigo
Desfrutar teu corpo, másculo, viril…

Tens cada minuto do meu pensamento,
Dedicado apenas a este sentimento
De desejo puro, de saudade louca…
Vem matar-me a fome, saciar o anseio,
Abraçar-me forte, vem beijar meu seio,
Vem tocar-me toda com a tua boca…

Meu tudo és tu, meu doce amado,
Amante latino, homem adorado,
É em teu louvor que eu canto aqui…
Este meu desejo, face à distância,
Acelera o sangue e aumenta a ânsia
Que me excita mais, por pensar em ti…

TEMOS MUITO EM COMUM…

A mesma sede de prazer,
O mesmo afã de bem-querer,
A mesma ânsia de viver,
Corpos ardentes a gemer,
Êxtases de enlouquecer…

Somos dois seres tão unidos
Que parecem ser só um…
É, pois, impossível negar:
Temos muito em comum!…

 

J. G. de Araújo Jorge

images (6)

AMOR… DE MENTIRAS

I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Com pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?

II
Eram brancas as mãos, brancas e puras,
mãos de lã, de pelúcia, mãos amadas…
Como prever, vendo-as fazer ternuras,
que nas unhas traziam emboscadas ?

Era tão doce o olhar… em conjeturas
felizes, e em promessas impensadas…
Como enxergar, portanto, as amarguras
e as frias traições nele guardadas ?

Como pensar em duas, se somente
uma eu tinha em meus braços, e adorava,
e a outra, – uma impostora, – se mantinha ausente.

E, afinal, como ver, nessa alegria,
que o amor que tanta Vida me ofertava
seria o mesmo que me mataria ?

EXALTAÇÃO DO AMOR

Sofro, bem sei… Mas se preciso fôr
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrêla alcançar… colher a flor…

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor… com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser…

Deus o pôs… Ninguém mais há de dispor!

Se êsse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!

ORGULHO E RENÚNCIA

Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor…
Se tudo terminou a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior…

Não te condeno nem te recrimino
ninguém tem culpa do que aconteceu…
Nem posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu!

Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
-se esse amor não devia Ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim…

Não te condeno nem te recrimino
tinha que ser! Tudo passou, morreu!
Cada qual traz do berço seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!

Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que ainda ontem, – quem o sabe?
tenha sentido algum amor por mim…

Não procures mentir. Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
– não tens culpa se te amo… se me iludo,
se a vida para mim é que foi má…

Vês? Meus olhos chorando estão contentes!
Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga…

Parte. E que nunca sofrer alguém te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
– pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for…

Pensa que tudo foi uma tolice…
Só mais tarde, bem sei, – compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor… que não direi jamais!

O VERBO AMAR

Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente…

Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.

Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.

Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando…

Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!

ORQUÍDEA

Está em teu corpo, como a flor
sobre o abismo
presa ao ramo oscilante
num aceno de vida ou de morte.

Flor de sombra e mistério, nascida
em teu corpo,
velada, escondida,
rara orquídea na penumbra da mata
entre réstias de sol.

Diante dela me ajoelho, como num altar,
deslumbrado de vê-la,
e quero então alcançá-la… e a alcanço sempre,
sem colhê-la…

Flor de sombra e mistério
flor de nuvens e de algas
flor de líquens
que me atrai,
que colho sempre… me deslumbra
e foge,
e de repente, se esvai.. .

VOLÚPIA

Quisera te associar à pureza e à candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…

Não poderei dizer apenas que és formosa
quando a própria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pétalas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!

Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visão de teus seios…

E em vão tento associar-te ao céu, à fonte, à flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu último estertor!

 

Oriza Martins

rosa081

AS CORES DE MEUS AMORES

Meu ser é um colibri
Agora aqui, depois ali,
Beijando, sugando flores…
A vida – mágica estrada,
Totalmente ladeada
Por sensações multicores.
Sentimento em cores alvas
Tem a doçura das malvas,
Da pluma, a suavidade…
Reflete céu em bonança
Verde-água da esperança,
Azul-sonho em claridade…

Sentimento em fortes tons,
Escuros, plúmbeos, marrons,
É mesmo um caso sério…
Vai me envolvendo em magias,
Imergindo em fantasias,
Labirintos de mistério…
Um sentir desesperado
Tem o amarelo dourado
Das cadentes outonais…
É fruto da ansiedade,
Mas vale a pena – em verdade,
Compensa todos meus ais…
Os sentimentos ardentes
Remontam às cores quentes,
Rubras, vermelhas, carmim…
Lembram lavas em torrentes,
Desejos incandescentes
Que explodem dentro de mim…
São modos mil de querer,
Prazeres de enlouquecer,
Inocentes, vãos, fatais…
Cada qual com seus olores,
Tantas delícias, sabores,
Que nem sei qual quero mais…
E, se vivemos pra amar,
Doidos mares navegar,
Ao sabor das emoções,
Vou meu destino seguindo,
Lindamente usufruindo
Um arco-íris de paixões!…

AMOR E CIÚME

Ciúme e amor… convivência complicada,
Que nos deixa com a vida transtornada,
E na alma, marcas de decepção.
Se um pouquinho de ciúme aquece a chama
O excesso certamente esparrama
A discórdia, o desamor, desunião.

É o amor sinal maior de altruísmo,
Mas o ciúme exacerba o egoísmo
Que viceja em corações atormentados.
Se o amor se baseia em confiança,
O ciúme interrompe a bonança
Que faz felizes os seres enamorados.

Diz o ditado pra se dormir de olho aberto,
Especialmente quando não se está por perto,
E que se deve confiar… desconfiando…
Mas para a dor do ciúme espantar,
Se desejarmos realmente amor provar,
É preferível confiar-se… confiando!

CICATRIZES

No corpo, mormente, expomos
As marcas dos ferimentos,
Dos danos, fatais momentos,
Que, às vezes, vivenciamos.
Os machucados reais
Ou eventos inocentes,
Feridas inconseqüentes,
Sofrendo ou não, relembramos.

Mas existe um tipo amargo
De marcas que vão ao fundo,
São as tristezas do mundo,
Injustiças que passamos,
São amores que perdemos
Ou nódoas da consciência
Quando nós, por negligência,
A outrem prejudicamos.

Nos caminhos da existência,
Estas mais duras feridas
Calcadas em nossas vidas,
Que nos abalam a calma,
Formam tensas provações,
Calam mais forte na gente,
São os algozes da mente,
São cicatrizes da alma…

As cicatrizes do corpo
Mais fáceis de controlar,
São passíveis de operar
Ou de tê-las maquiadas…
Porém dores metafísicas
Difíceis de disfarçar,
Teimam em atormentar
As almas fragilizadas…

Essas mágoas do espírito,
De um sofrer inconfundível,
Nem sempre me foi possível
Extirpar pelas raízes…
Então sigo meu caminho,
Longa estrada a percorrer,
Aprendendo a conviver
Com as minhas cicatrizes…

QUERO-TE

Quero-te na ânsia do amor maior
Quero teu perfume a meu derredor,
Teu peito inflamado a me abraçar…
Nas horas de angústia quero te ouvir,
E quando é ventura, juntos a sorrir,
Escutar teu canto a me embalar.

É um querer sublime esse meu desejo,
Além dos sentidos, sem pudor, sem pejo,
Alça longos vôos, esparge ao infinito.
Simbiose funda de alma e matéria,
Caso complicado, brincadeira séria,
Que faz no meu mundo tudo mais bonito…

Caso complicado… pois tanto querer
Gera em boa dose um misto de sofrer,
Por amar-te tanto, tão profundo assim…
Se tu me deixares, se eu perder-te um dia
E não mais gozar tua companhia,
Sofro por pensar o que será de mim…

PAIXÃO PROIBIDA

Quantos secretos desejos
Cruzam-se por nosso olhar…
É uma paixão incontida,
Clandestina, proibida,
Difícil de disfarçar…

O encontro de nossas vidas
Tardou a acontecer…
Resultou em sentimentos
Mergulhados em lamentos,
Razão do meu padecer.

Eu sinto que tu me amas,
Sabes o bem que te quero…
Mas o ingrato destino
Transformou em desatino
Este amor forte, sincero…
Motivos mil nos separam,
Sufocam quaisquer anseios…
Em nossos mundos distintos
Sublimamos os instintos,
Nos amando em devaneios…

São beijos emocionantes,
Trocados em pensamento,
Horas de magia pura,
Carícias cuja ternura
Nos elevam ao firmamento.
Mas, sendo um dom dos amantes,
Manter firme a esperança,
Que o tempo vai conseguir
Nossas vidas reunir,
Tenhamos fé e confiança…

Haveremos de provar
As delícias deste fruto,
Por enquanto, proibido.
Nosso amor será total,
E a existência, afinal,
Para nós, fará sentido.

RECEITA DE AMOR

Qual seria o melhor modo de amar,
De que maneira cultivar as emoções?…
Sob o cansaço de minhas desilusões,
Uma receita de amor eu fui buscar.

Em que consiste o amor certo, ideal?…
Na poesia as respostas procurei,
Meus baús de antigos casos revirei,
Pra concluir que deve ser essencial,

Infinito, muito forte – em grandeza -,
Impecável, raro e doce – em pureza-,
Exemplar, baseado em lealdade,

Gerar desejo, eterna fonte de paixão,
Nau serena em mares de compreensão,
A flutuar em ondas de felicidade…