A espinha

A espinha

Estava ali parada em frente ao espelho, convicta de que aquela espinha iria acabar com todas as possibilidades de que aquele final de semana fosse perfeito, justo na sexta-feira mais importante de sua vida, a festa do Beto. Havia esperado a semana inteira por aquele momento, escolhera tudo, nos mínimos detalhes, a roupa, maquiagem, grampos de cabelo, lingerie, e até o perfume, tudo que o fizesse cair inteiro em seu colo, só queria a sua atenção, nem que fosse só uma noite, mas queria provar para si e para as outras, principalmente a Karen, que ela era capaz de conseguir ficar com Otávio, o mais cobiçado do primeiro ano!

Este era seu objetivo, sua meta, alguns minutos de atenção dele, e os olhares invejosos de todas as que duvidassem dela. Tomou seu banho, mais longo que de costume, um banho de corpo e alma, olhava seu corpo pelo espelho esfumaçado do banheiro, a puberdade tardou para ela, enquanto suas amigas tinham os seus seios fartos e volumosos, os dela ainda eram miúdos quase imperceptíveis. Era muito magra, esquálida, esguia, mas tinha uma postura um tanto quanto desengonçada, senti-se uma garça com sua estrutura fina. Mas leu em um livro de auto-ajuda que deveria ser menos dura e crítica e aceitar-se como era.

Terminou seu banho, animada, acreditando que sua noite ainda poderia tocar a perfeição, enxugou os cabelos, ajeitou-os com um modelador de cachos, e enquanto vestia seu sutiã, sentia saudades de ser criança e correr nua entre os adultos sem ser notada, agora parecia que todos os olhares se voltavam para ela. Eram tantos problemas com os quais não contava quando era apenas uma garotinha, se o absorvente fica saliente sob a calça justa, a maneira de se sentar com uma saia mais curta, ou como cuidar se seu tomara-que-caia.

O corretivo de sua mãe resgatava a esperança de ficar linda, aliás, de um corretivo facial dependia todo o sucesso de sua empreitada, delineou seus olhos com cuidado, escolheu um batom, se perfumou, estava pronta para a batalha, era uma nova Ana, mais poderosa, livre de seus cadarços, de seu tênis All Star e de seus moletons frouxos. Estava numa linda sandália que afinal libertavam seus pés e suas unhas carmim, colocou suas lentes de contato, para dispensar os óculos de grau, por trás deles se escondeu por muito tempo.

A noite podia nem ser tudo o que ela quisesse ou sonhava, mas presenciou em si o milagre da transformação, sua paz amarga que carregava até ali se transformara em confiança para as guerras que ainda estavam por vir, pegou sua bolsa correndo, pois a mãe de Vivian lhe daria carona, mais uma vez se olhou no espelho, gloriosa, despediu-se da mãe com um grito já no portão e foi ser feliz.

Larissa Marques

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