J. G. de Araújo Jorge

images (6)

AMOR… DE MENTIRAS

I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Com pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?

Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?

Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?

E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?

II
Eram brancas as mãos, brancas e puras,
mãos de lã, de pelúcia, mãos amadas…
Como prever, vendo-as fazer ternuras,
que nas unhas traziam emboscadas ?

Era tão doce o olhar… em conjeturas
felizes, e em promessas impensadas…
Como enxergar, portanto, as amarguras
e as frias traições nele guardadas ?

Como pensar em duas, se somente
uma eu tinha em meus braços, e adorava,
e a outra, – uma impostora, – se mantinha ausente.

E, afinal, como ver, nessa alegria,
que o amor que tanta Vida me ofertava
seria o mesmo que me mataria ?

EXALTAÇÃO DO AMOR

Sofro, bem sei… Mas se preciso fôr
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrêla alcançar… colher a flor…

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor… com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser…

Deus o pôs… Ninguém mais há de dispor!

Se êsse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!

ORGULHO E RENÚNCIA

Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor…
Se tudo terminou a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior…

Não te condeno nem te recrimino
ninguém tem culpa do que aconteceu…
Nem posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu!

Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
-se esse amor não devia Ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim…

Não te condeno nem te recrimino
tinha que ser! Tudo passou, morreu!
Cada qual traz do berço seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!

Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que ainda ontem, – quem o sabe?
tenha sentido algum amor por mim…

Não procures mentir. Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
– não tens culpa se te amo… se me iludo,
se a vida para mim é que foi má…

Vês? Meus olhos chorando estão contentes!
Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga…

Parte. E que nunca sofrer alguém te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
– pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for…

Pensa que tudo foi uma tolice…
Só mais tarde, bem sei, – compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor… que não direi jamais!

O VERBO AMAR

Te amei: era de longe que te olhava
e de longe me olhavas vagamente…

Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente,
que a alma da gente faz escrava.

Te amava: como inquieto adolescente,
tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
adivinhando esse mistério ardente
do mundo, em cada beijo que te dava.

Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
os tempos todos desse amor, enquanto
segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando…

Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
e é por ti que o repito no meu canto:
te amei, te amava, te amo e te amarei!

ORQUÍDEA

Está em teu corpo, como a flor
sobre o abismo
presa ao ramo oscilante
num aceno de vida ou de morte.

Flor de sombra e mistério, nascida
em teu corpo,
velada, escondida,
rara orquídea na penumbra da mata
entre réstias de sol.

Diante dela me ajoelho, como num altar,
deslumbrado de vê-la,
e quero então alcançá-la… e a alcanço sempre,
sem colhê-la…

Flor de sombra e mistério
flor de nuvens e de algas
flor de líquens
que me atrai,
que colho sempre… me deslumbra
e foge,
e de repente, se esvai.. .

VOLÚPIA

Quisera te associar à pureza e à candura
quando pensasse em ti… Mas a emoção, teimosa,
transforma sem querer toda a minha ternura
numa estranha lembrança ardente voluptuosa…

Não poderei dizer apenas que és formosa
quando a própria beleza em ti se transfigura,
– e pela tua carne há pétalas de rosa
e no teu corpo há um canto fresco de água pura!

Um sincero pudor vislumbro em teus enleios,
mas se disser que te amo com pureza, eu minto,
– no olhar trago tatuada a visão de teus seios…

E em vão tento associar-te ao céu, à fonte, à flor!
Quando falo de ti, penso em teu corpo, e sinto
que ainda estremece em mim teu último estertor!

 

Oriza Martins

rosa081

AS CORES DE MEUS AMORES

Meu ser é um colibri
Agora aqui, depois ali,
Beijando, sugando flores…
A vida – mágica estrada,
Totalmente ladeada
Por sensações multicores.
Sentimento em cores alvas
Tem a doçura das malvas,
Da pluma, a suavidade…
Reflete céu em bonança
Verde-água da esperança,
Azul-sonho em claridade…

Sentimento em fortes tons,
Escuros, plúmbeos, marrons,
É mesmo um caso sério…
Vai me envolvendo em magias,
Imergindo em fantasias,
Labirintos de mistério…
Um sentir desesperado
Tem o amarelo dourado
Das cadentes outonais…
É fruto da ansiedade,
Mas vale a pena – em verdade,
Compensa todos meus ais…
Os sentimentos ardentes
Remontam às cores quentes,
Rubras, vermelhas, carmim…
Lembram lavas em torrentes,
Desejos incandescentes
Que explodem dentro de mim…
São modos mil de querer,
Prazeres de enlouquecer,
Inocentes, vãos, fatais…
Cada qual com seus olores,
Tantas delícias, sabores,
Que nem sei qual quero mais…
E, se vivemos pra amar,
Doidos mares navegar,
Ao sabor das emoções,
Vou meu destino seguindo,
Lindamente usufruindo
Um arco-íris de paixões!…

AMOR E CIÚME

Ciúme e amor… convivência complicada,
Que nos deixa com a vida transtornada,
E na alma, marcas de decepção.
Se um pouquinho de ciúme aquece a chama
O excesso certamente esparrama
A discórdia, o desamor, desunião.

É o amor sinal maior de altruísmo,
Mas o ciúme exacerba o egoísmo
Que viceja em corações atormentados.
Se o amor se baseia em confiança,
O ciúme interrompe a bonança
Que faz felizes os seres enamorados.

Diz o ditado pra se dormir de olho aberto,
Especialmente quando não se está por perto,
E que se deve confiar… desconfiando…
Mas para a dor do ciúme espantar,
Se desejarmos realmente amor provar,
É preferível confiar-se… confiando!

CICATRIZES

No corpo, mormente, expomos
As marcas dos ferimentos,
Dos danos, fatais momentos,
Que, às vezes, vivenciamos.
Os machucados reais
Ou eventos inocentes,
Feridas inconseqüentes,
Sofrendo ou não, relembramos.

Mas existe um tipo amargo
De marcas que vão ao fundo,
São as tristezas do mundo,
Injustiças que passamos,
São amores que perdemos
Ou nódoas da consciência
Quando nós, por negligência,
A outrem prejudicamos.

Nos caminhos da existência,
Estas mais duras feridas
Calcadas em nossas vidas,
Que nos abalam a calma,
Formam tensas provações,
Calam mais forte na gente,
São os algozes da mente,
São cicatrizes da alma…

As cicatrizes do corpo
Mais fáceis de controlar,
São passíveis de operar
Ou de tê-las maquiadas…
Porém dores metafísicas
Difíceis de disfarçar,
Teimam em atormentar
As almas fragilizadas…

Essas mágoas do espírito,
De um sofrer inconfundível,
Nem sempre me foi possível
Extirpar pelas raízes…
Então sigo meu caminho,
Longa estrada a percorrer,
Aprendendo a conviver
Com as minhas cicatrizes…

QUERO-TE

Quero-te na ânsia do amor maior
Quero teu perfume a meu derredor,
Teu peito inflamado a me abraçar…
Nas horas de angústia quero te ouvir,
E quando é ventura, juntos a sorrir,
Escutar teu canto a me embalar.

É um querer sublime esse meu desejo,
Além dos sentidos, sem pudor, sem pejo,
Alça longos vôos, esparge ao infinito.
Simbiose funda de alma e matéria,
Caso complicado, brincadeira séria,
Que faz no meu mundo tudo mais bonito…

Caso complicado… pois tanto querer
Gera em boa dose um misto de sofrer,
Por amar-te tanto, tão profundo assim…
Se tu me deixares, se eu perder-te um dia
E não mais gozar tua companhia,
Sofro por pensar o que será de mim…

PAIXÃO PROIBIDA

Quantos secretos desejos
Cruzam-se por nosso olhar…
É uma paixão incontida,
Clandestina, proibida,
Difícil de disfarçar…

O encontro de nossas vidas
Tardou a acontecer…
Resultou em sentimentos
Mergulhados em lamentos,
Razão do meu padecer.

Eu sinto que tu me amas,
Sabes o bem que te quero…
Mas o ingrato destino
Transformou em desatino
Este amor forte, sincero…
Motivos mil nos separam,
Sufocam quaisquer anseios…
Em nossos mundos distintos
Sublimamos os instintos,
Nos amando em devaneios…

São beijos emocionantes,
Trocados em pensamento,
Horas de magia pura,
Carícias cuja ternura
Nos elevam ao firmamento.
Mas, sendo um dom dos amantes,
Manter firme a esperança,
Que o tempo vai conseguir
Nossas vidas reunir,
Tenhamos fé e confiança…

Haveremos de provar
As delícias deste fruto,
Por enquanto, proibido.
Nosso amor será total,
E a existência, afinal,
Para nós, fará sentido.

RECEITA DE AMOR

Qual seria o melhor modo de amar,
De que maneira cultivar as emoções?…
Sob o cansaço de minhas desilusões,
Uma receita de amor eu fui buscar.

Em que consiste o amor certo, ideal?…
Na poesia as respostas procurei,
Meus baús de antigos casos revirei,
Pra concluir que deve ser essencial,

Infinito, muito forte – em grandeza -,
Impecável, raro e doce – em pureza-,
Exemplar, baseado em lealdade,

Gerar desejo, eterna fonte de paixão,
Nau serena em mares de compreensão,
A flutuar em ondas de felicidade…

 

Pablo Neruda

rosa vermelha

A NOITE NA ILHA

Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora – pão,
vinho, amor e cólera – te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.

GOSTO QUANTO TE CALAS

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

O VENTO NA ILHA

O vento é um cavalo
Ouça como ele corre
Pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como recorre ao mundo
para me levar para longe.

Me esconde em teus braços
por somente esta noite,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama calopando
para me levar para longe.

Com tua frente a minha frente,
com tua boca em minha boca,
atados nossos corpos
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa me levar.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando eu, emergido
debaixo teus grandes olhos,
por somente esta noite

descansarei, amor meu.

O POÇO

Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

SONETO XLIII

Um sinal teu busco em todas as outras,
no brusco, ondulante rio das mulheres,
tranças, olhos apenas submergidos,
pés claros que resvalam navegando na espuma.

De repente me parece que diviso tuas unhas
oblongas, fugitivas, sobrinhas de uma cerejeira,
e outra vez é teu pelo que passa e me parece
ver arder na água teu retrato de fogueira.

Olhei, mas nenhuma levava teu latejo,
tua luz, a greda escura que trouxeste do bosque,
nenhuma teve tuas mínimas orelhas.

Tu és total e breve, de todas és uma,
e assim contigo vou percorrendo e amando
um amplo Mississipi de estuário feminino.

TEU RISO

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

 

Fernando Pessoa

flower006

ODE MARÍTIMA

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É — sinto-o em mim como o meu sangue —
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui…

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve com uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado
[sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.

TODAS AS CARTAS DE AMOR…

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

TENHO TANTO SENTIMENTO

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

 

Angélica Torres Lima

angelica

FONTES DOS ANJOS CAÍDOS

A hora era imprecisa
Madrugada. Talvez alvorada.
Quem sabe meio-dia.

Quadrada e imensa era a praça
de prédios, arejada
mas pesada e densa.

Logo à frente
na calçada pêndula da praia
a fonte dos anjos caídos.

Magros, louros, jovens
como escandinavos
esculpidos

nus, a pele sépiadourada
cabelos e corpos molhados,
asas e olhares enlameados

vários, sentados nas muradas
de concreto armado
apinhados na abóboda

de acinzentada queda d’água,
olhavam com desdém
a andante solitária.

Passei sem descolar
os olhos da cena
daquela imagem

catedral desossada
miragem do paraíso
devastado.

Súbito, um deles desce
e me segue de perto
até a rua da praia

Era um mulato aquele
dono ouro-negro
de motocicleta roubada.

Hipnotizada, saltei na garupa
e com ele voei pelos ares.
O capacete só aura

aura encardida, mal-lavada,
mas aura,
sobre chãos e mares.

Voltamos.
Fui viver com eles na fonte
da Praça de Buenos Aires.

DIAS CONTADOS

O poema da morte
é apenas um trovão
assustando a vida:
olhos se arregalando
estampidos nos ouvidos.
Melhor, talvez, chamar o medo
de expectativa
já que nessa estrada
não há outro desvio.

Dias contados.
Descontados os feriados
e dias profanos,
resta-me o dom de fabricar
o meu destino,
refazendo os planos
perdoando os erros
e os danos,
dando remo e rumo
às mãos
e ao pleno.

Contados os dias
em letras,
os números letais
se abrem
ao infinito.
Disfarço
a farsa, pondo fé
e desfaço, acho,
o carma da morte
no imposto da vida.

FAZENDA DOIS IRMÃOS

para Antônio
no casamento
da árvore com a terra
a minha crença na vida

na sua sobrevivência
sem cuidados humanos
a reverência
aos elementos

no seu crescimento para o alto
serenamente imponente
o ensinamento vivo
de u`a meta
e um comportamento

no trabalho das raízes
e no vôo das folhas
a compreensão
de que aos pés deu-se o chão
a mente o infinito

no gosto do fruto
presença de água e mel
drink ligeiro dos pássaros
cheiro de infância
na minha saudade

Olhar léguas e mais léguas verdes
cercanias de matas, vento
cantando baixinho
no ouvido, na fazenda
da miaha infância

Tanto verde em redor do Morro Alto
lado a lado no topo
dois bambuzais solitários
irmãos companheiros

No céu rastos vermelhos
restos de sol
No ar o cheiro do mato
a transparência da noite invadindo

No centro do reino verde
o cavalo e eu
a descer a calmaria
da velha natureza
lentamente

O som do trotar de Cacique
nas pedras friinhas
u`a melodia pura
os meus desejos ocultos
os sonhos puros de criança
riquezas simples da infância

Sensação de cria da terra
de filha do vento
Impressão de ser folha
de ser mato
Certeza de ter brotado
de solo fértil
feito flor

Ah, os campos, os pastos
os córregos de água fresquinha
o curral, a casa grande, o quintal
a goiabeira perto da bica
o milharal e as jaboticabeiras
o prazer de beber com as mãos em concha
a água pura da cacimba

No parque das altas mangueiras
perto do córrego sombrio
a morada sagrada
das fadas, gnomos, duendes, sacis
o meu recanto predileto
repleto de mistério amigo
onde os sonhos conversavam comigo

E eu a comer cajamanga
verde, azedo, com sal, contemplando
a beleza rústica do engenho
cana, garapa, rapadura

A casa do vaqueiro
escondia em mim eu mesma:
ela era o cenário imaginário
de minhas estórias
de príncipes e princesas

No jardim da casa-grande
as rosas e os cravos
por meu pai cultivados
com tanto amor
Na escadaria dos fundos
a vista do Morro Alto
com os bambuzais irmãos
e o requeijão quente
da Lucinda, tentando a gente

Da varanda, a beleza vermeLha dos
enormes flamboaiãs, o curral do gado tratado
o leite gostoso, na hora tirado
Na janela do meu quarto
tinha sempre visita de um colibri
Não muito longe, no riacho
o ensaio dos sapos para a noturna sinfonia

Ah, fazenda querida
bordei você na lembrança
como foram no céu as estrelas bordadas
nas suas noites de verão

Guardei você, eom cuidado,
no pór do sol de Goiás
pra que todo dia sua presença reviva
e eu a enterre imortal
dentro de mim

 

Silvane Sabóia

saboia

ACALMANDO TEU CORPO

Esse fogo que arde em teu corpo
e me chama para acalmar..
é fogo doce que meus lábios
podem facilmente aplacar..

posso amansar o teu desejo.
trazendo a paz a teu corpo
com a arma santa
de um beijo…

Só não sei o que será de mim depois…
quando teu corpo voltar a calmaria
e eu ficar na agonia

FALAR DE AMOR

Cansei de regras..
Simpatias…
E jogos de sedução….
Vamos celebrar o amor..
Confuso…doente…carente…
No nosso coração…
Vamos sentir o que vale a pena…
Nesta vida tão difícil de se sonhar..
Vamos reinventar estrelas, poemas..canções..
Pra’ se apaixonar..

Vamos deixar as fórmulas…
O sexo intenso e vazio..
encarar e brindar o simples olhar..
Vamos abrir nossas dores…
Falar dos temores…
Dar-nos as mãos calejadas…
Acariciar as cicatrizes das almas
Nos encontrar…

Vamos entender os viajantes..
Suas mágoas e lembranças..
Suas dúvidas e andanças..
E insistir em sonhar!

DESEJO

Onde estão teus olhos?
Que eu não vejo mais…
Onde estão teus carinhos?
Onde estão?
Onde estão teus abraços….
Loucos devassos, na noite que vai…?
Onde estão aqueles momentos,
Doces tormentos de paz?
Onde estão teus beijos?
Que desvendam segredos…
Profanam lugares, carícias suaves…
Onde estão?
Pudera sentir teu corpo…
Matar o sufoco, te procurar…
Quisera ser um pássaro…
Voar alto, cruzar mares, nuvens…luas…
Pousar leve, pura e nua…
No teu olhar!!!!

Raquel Pellizzetti

raquel

ANJOS DA “HELP”

Os dez anjos da minha Help
me lançam sorriso torto,
meio assim, de amor sem gosto,
desgosto no rosto exposto.

Os dez anjos da minha Help
me espiam com olho turvo,
meio assim, de grito mudo,
miúdo olhar (ponti)agudo.

Os dez anjos da minha Help
me alçam mãos (vaga)rosas,
meio assim, talvez medrosas
de eu sabê-las dolorosas.

Os dez anjos da minha Help
me miram todos os dias,
meio assim, também vadia,
na noite fria e vazia.

Os dez anjos da minha Help
me (de)têm por bem amada,
que, meio assim, desgastadas,
estão semi-mortas… mais nada.

ANTIGA

Te escrevo do modo antigo de dizer das coisas
e te penso do jeito que ninguém se lembra.
É que restei parada lá bem no começo,
quando ainda sonhava com anjos e lendas.

Te escrevo em bloco de linhas bem retas,
que tenho medo de minhas frases tortas.
Esqueci do espelho e dos tempos idos
e te espio, quieta, por frestas de portas.

Te escrevo a lápis pra corrigir letrinhas
e pinço termos num velho dicionário.
Cresci de altura, mas, ainda menina,
te olho folhinhas do meu calendário.

Te escrevo palavras que ninguém mais usa,
que ainda me vêm do odor das flores
do meu jardim bem vivo na lembrança,
onde te tinha mulher de meus amores.

E te escrevendo, assim, meio sem jeito,
sei que já sabes que me vim ser tua,
que te esperei, ainda no meu tempo,
andando na trilha que me fez a lua.

A ESMO

Acordei hoje como o céu borrado.
Nem clareou a minha luz diária:
tal como eu, ela também foi triste:
via-me ópera sem nenhuma ária.

Bato a porta em sensação de fuga.
Rasgo betume, olvido calçadas.
Ando a esmo, em pensamentos ocos,
correndo milhas que acabam em nada.

As trilhas fundas que (re)piso aqui
são chão rachado, cerrado árido
ou, de Dédalo, o tal labirinto…
“Como saber?!”, diz meu reflexo pálido.

Onde me vou eu, tonta e dispersa,
se, tempos idos, tinhas escapado?
Que dentre letras da tela vazia,
nós nos perdemos… tinha te avisado!

A FORÇA, INVENTO

Quisera espaço pra espalhar minhas letrinhas
e o silêncio, bem quieto, dos meus mortos,
onde só se ouvisse a chaleira e brisa leve
além do macio da caneta, em traços tortos.

Quisera ler no papel de árvore caída
uma história que me surgisse não de agora,
mas uma outra que ficou no diário antigo
e me falava de sonhos alegres de outrora.

Eu vejo o tempo dos homens me engolindo
e me traçando, no rosto, trilhas fundas,
quando minh’alma, incólume àquele tempo,
cria, do afeto, as medidas mais profundas.

Daí me curvo mais sobre meus blocos
e finjo olvidar os barulhos dos meus vivos,
que só assim posso fluir meus sonhos todos
mesmo sabendo a maior parte já perdido.

CAVALEIRO

Percorrendo infinitas trilhas,
sobre cavalos dóceis e bravios,
a lugar algum chegou que não de passagem.
A cada parada/pausa,
mal banhado, sedento e esperançoso,
via logo cedo que nada mudara.

Eram os mesmos, em todos os pontos,
os olhos que o espiavam,
os ouvidos que o ouviam (ouviam?)
e as bocas que lhe falavam
tornado novamente cavaleiro,
alterava-se-lhe tão somente a cor do bicho que o levava
e sempre, sempre, alguma esperança para gastar.

Talvez noutra parada… quem sabe?!
Caminhou solitário e alerta
por campos, riachos, estradas,
mares, matas, lagos e cidades.
Cresceram-lhe cabelos, barba e caminho andado.

Da solidão de tanto andar,
sobreveio-lhe o hábito do silêncio
e a cada parada menos palavras encontrava prá dizer.
Olhava e com o olhar dizia.
Ninguém (ou)via.

E lá tornava ele à montaria,
estrada/vida afora,
em busca do pouso certo que de incerto tudo tinha.
Cecília lhe recitaria “Destino”,
“pastor de nuvens” que ele parecia…
mas ela já morrera há muito tempo
e dele nada sabia.

Cavaleiro de conto de fadas diriam alguns,
atrás talvez de um castelo e uma princesa,
ou, quem sabe, apenas um rebanho prá tocar…
Mas ele desconhecia porque tanto cavalgava
e o que o movia.

Se fugia ou perseguia.
Se era caçador ou caça.

Cavalgou incessantemente o homem
até um ponto de uma certa trilha.

Apeou.

Olhou o céu que sempre o acompanhara… Lindo!

Deitou-se. A árvore era frondosa…

Ali, naquele lugar, findava sua busca
– porquê? – ele também não sabia…

Nunca mais cavalgou o homem por caminhos vários
desta bela e vasta terra.

Deixara de procurar…Resolvera apenas se deixar ser e sonhar.

BICHO SOLTO

Andando assim, pela vida, feito bicho;
meio sem rumo… visionário não tem nicho,
eu saboreio muito mais de sóis e luas
do que as gentes no ruído dessas ruas.

Eu piso firme sobre a água de oceanos
e vôo livre sem saber de desenganos;
trago comigo pergaminhos de esperança
que tenho escritos na alma desde criança.

Falo com nuvens e pássaros às dezenas,
contando causos de aprendiz de vida plena.
Meu universo de sonhos e encantamento
enche de espanto os algozes do cimento.

Vou por terra, ar e mar de água mansa,
sem paradeiro, que sonhador nunca descansa.
Sou tudo e nada… marca d’água, sou profundo.
Estou em mim, no outro alheio… olho do mundo.

Rose Sadalla

rose

ALÉM DO TEMPO

Como uma rosa que despetala
eu sinto o tempo passando
E pelas lembranças da mente
fico te recordando
Pelos retratos do relicário
lembrei do teu rosto
Pelos cantos da casa te espreito
vejo teu vulto ardente
No quarto entre lençóis de seda
sinto o cheiro do teu corpo
Pelas areias fina da praia
te moldei em escultura
Meu pensamento se afasta de mim
voltei e não sei de ti
Coisas vêm e vão chegam ao fim
assim como você e como eu
Das lembranças que de ti guardei
a onda veio e te levou.

ANTES DE DORMIR

É noite! o sono me chega suavemente
Antes de dormir queria te ouvir
Cantando uma canção em meu ouvido
Sentir teus dedos afagando meu colo
Desnudando meus olhos com beijos
Molhando meu corpo todo de prazer
Enquanto sons suaves pairam no ar.

É noite! o sono me chega suavemente
Antes de de dormir queria me banhar
Das gotas plena que inundam teu corpo
Gotejando carícias e gemendo a cada toque
No meu corpo que vibra em loucas sensações
Que faz meu coração pulsar em descompasso
Causando arritmia em forma de paixão.

É noite! o sono me chega suavemente.

AMOR A BEIRA-MAR

Pela janela dos meus olhos
Vejo a noite que chega iluminada
Sento-me à beira mar e te espero.

Fixo o céu de estrelas brilhantes
E vejo-te em cada brilho do luar
Deito-me na areia e me aqueço
Procuro-te e a lua sorri complacente
Fiel escudeira e cúmplice deste amor
O mar banha meu corpo e geme de prazer
No êxtase previsível percorre meu abdômen
Deixando-me à deriva, totalmente perdida
Rolo na areia e conduzo-me peregrina
Tocando nas águas límpidas da minha pelve.

Esquecida nas brumas do tempo me deixo amar
Iluminada por estrelas que não deixam de brilhar.

MCarmo Costa

carmen

 

ENTRE OS DEDOS

Entre os dedos fazemos miséria.

Entre os dedos nos viramos pelo avesso.

Entre os dedos nos impomos,
nos desejamos,
nos queremos…
nos possuímos…

Entre os dedos nos encontramos em
nós mesmas.

Entre os dedos somos o tudo e o nada…
nos achatamos entre o céu e a terra…
somos miragem e realidade…
somos o aqui e o além…

Entre os dedos… como mulher…
vazamos.

Entre os dedos sonhamos…
suamos… molhamos…

O que não se faz entre os dedos?
Entre os dedos somos crianças inocentes,
ingênuas de toque macio…

Somos adolescentes curiosas,
que vasculham a mente e o desejo…

Somos mulheres que anseiam
numa urgência profunda,
numa agonia lasciva…

Entre os dedos explode o desejo…

Vertem-se lágrimas dos olhos,
derrama-se leite do peito,
ardem-se as entranhas…

Entre os dedos
o contato do momento,
instante prazeroso.

Vida entre vidas
que ficam
entre os dedos.

INSANO DESEJO

Vira-te para mim
e vês como meus olhos te suplicam,
ao mesmo tempo que se encantam
por ti.

Tremores e suores
medo de perder-te…
tem dó de mim…
eu, qual pássaro ferido,
querendo aninhar-me em teu peito,
com teus dedos acariciando meus cabelos ,
embalando-me o sono.

Eu com ímpetos de beijar-te
a ponta do nariz
e o canto esquerdo dos lábios…

Saudades do que poderíamos ter
e não temos.

Saudades de beber em teus lábios
o vinho que bebo
e tu não sabes de meus lábios
ou deste vinho que decanto…

Preciso deste sonho!…

Entrelaço meus dedos
em teus dedos e,
espelho-me no verde de teu olhar
me ponho aqui
a falar-te de dedos e bocas,
quando só quero…
beber-te toda… sem gelo…

Gosto de vinho em meus lábios trêmulos…

Boca sedenta…

Gosto de vinho…

Ânsia de boca…

Emoção que se derrama
em urgência gritante.

Transformo-te em vinho
para te degustar… penetra-me a boca
escorrendo por minha garganta…
devagar…
achegar meio a minhas entranhas.

Saboreio-te na taça,
tua boca que tanto desejo
e beijo…

Toma-me agora!

Tenho-te cá na boca…
e não és mais vinho…
és carne de minha coxa…
retalho de meu peito…
minha alma partida.

Eu te bebo nesta vontade de ti…
deixa-me te penetrar no peito…
seio…
infinitas pernas…

Deixa-me estuprar tua língua…
lamber-te os lábios
viver dentro de fora de mim.

Não me atreverei a dizer-te mais de mim
ou deste insano desejo
que vive aqui… cá dentro de mim…

Mostra-me tuas cicatrizes…
teus percalços…
tuas rugas…
teu desassossego…

Não sei mais nada de mim…

Viverei no teu corpo feito de gemidos
e neste imenso espaço
que nos atormenta…
preciso de vida…
preciso viver…

Deixa-me viver em ti…
contigo…
em mim !…

DESPERTAR

Uma sensação inaudita,
nunca antes sentida,
leva-me por caminhos
não explorados.

Por abismos… morros…
labirintos… atalhos… enfim… terraplenagem.

Esbarro no aceiro da mata virgem!

Descortina-se a campina…
o verde… o suave… o belo.
o inevitável!
acanhadamente olho… observo…
tateio…

E, com que prazer… pouco a pouco…
com que ansiedade,
sinto… recebo… sendo
tocada…
desvendada!

O verde derrama-se
num arco-íris imenso, numa ardência incontentável,
roubando-me os sentidos…
fazendo alvoroço no meu coração…
no meu corpo…
nas minhas entranhas!

Um grito na garganta desmaia.

Paro de chofre…

Onde estou?

Perdida no arco-íris.

Num encontro de mim mesma.

Agora sem retorno…
prossigo.

Delírio!

PERDIDA EM MIM

Vagueio apenas… perambulo pelas ruas
vazias em busca do não sei onde…
encho-me de esperanças pelo sonho
que tive…

Vivi o sonho da não esperança…

Vagueio simplesmente…
se espero, se desespero…

Já nem sei de mim…
se vou, se fico… se parto enfim…
se sorrio… se desejo… se penso…

Apenas quero… sou assim…
mulher sem princípio e sem fim…
mulher andarilha…
mulher sem destino…
mulher só… sem semente…
sem adubo…
flor que sorri… mulher que vaza…
sem ti!…

MEU CORPO

Todo meu corpo eu escondo
no mais escondido de meu ser.

Todo meu corpo estar
onde ninguém pode ver.

Todo meu corpo desliza
num ousado e imperceptível
bambolear…

Todo meu corpo estar
onde não se pode tocar.

Todo meu corpo invade teus sonhos
num singelo suspirar.

Todo meu corpo explode
num tênue toque
de dedos indeléveis e afáveis,
como os teus.

Dedos que, meu corpo,
percorrem,
que meu corpo descobrem,
que em meu corpo se misturam.

Dedos que descobrem
os mais íntimos desejos.

Desejos de um corpo calado
que implodindo grita
sob o teu toque.

Corpo de mulher.

Mulher que deseja,
mulher que ama,
que se derrama,
que se entrega…

Que vaza…

SAUDADES DO MEU AMOR

Aqui sou somente saudades…
saudades de ti,
de teus beijos,
de teu toque,
de teu sorriso,
de teus olhos verdes que tanto amo…

Saudades de tua maneira de se impor…

Teu jeito…

E eu louca para estar contigo…
me mostrar para ti,
te dar meus carinhos,
te dar o meu amor,
cessar meus desejos em tua boca,
em teu corpo prazeroso e amado.

Meus olhos apenas te procuram,
meu corpo apenas te quer,
minhas entranhas, apenas por ti,
queimam
ardem
se dilaceram.

Cá na minha saudade
os meus passos seguem ao teu lado
na estrada de nosso amor,
porque o meu caminho
é o teu caminho…
a tua felicidade
é a minha felicidade…
a tua vida
é a minha vida !

Hoje te amo e
sempre te amarei !

Marilda da Conceição

marilda

APRENDI A TE AMAR

Você surgiu por encanto,
nesse mar de fantasias,
com seu calor envolvente,
você encheu-me de alegria.

Como suave melodia,
você entoou minha emoção,
fazendo um sentimento brotar,
dentro do meu coração.

E nessa doce magia,
você devolveu-me o sonhar.
Transformou a minha vida,
você me fez sentir o que é amar.

DOS SONHOS DESPERTEI

Te amei…
Sonhei….sonhamos
Sem pensar, me entreguei.

Compartilhamos.
Acreditei nas palavras escritas,
no sentimento real.

Te amei…
Sonhei….
Me dei por inteiro
Fui amiga, confidente, companheira.

Sentimento forte, sincero, amor verdadeiro
Te amei tanto!
Ah! Como te amei!
Com tanta intensidade…
que esqueci o mundo real,
desprezei a vida lá fora,
me distanciei dos amigos.

Me anulei sem sequer perceber,
o que eu mesma fazia comigo.

Apenas eu,
amei.

Te perdi
Dos sonhos despertei
Sofri….chorei
Como te amei!
Dos sonhos….a dura realidade
Só restou saudade.
Essa dor insuportável,
machucando o coração.

Sofrendo…chorando,
continuo te amando,
nessa imensa solidão.

MEDO DE AMAR

Você partiu em silëncio…
Teve medo do encontro,
de olhar nos meus olhos,
do profundo sentimento que nossos olhos
mutuamente falariam ao se encontrar.
Da emoção que sentiríamos ao nos tocar.

Você sabia que o encontro de nossas almas,
seria perfeita sintonia.
Que o nosso amor seria mais intenso.
Que nossas vidas…
ficariam eternamente ligadas,
porque esse amor,
estava acima da nossa razão.
Que em mim..
econtraria o amor que nunca sentiu igual.

Então….meu amor,
você teve medo.
Sua vida…
ja estava entrelaçada em outra vida
Eu…
cheguei tarde.

O encontro não aconteceu.
Seu amor, frágil amor.
Não teve forças pra lutar pelo meu amor.
Tão frágil, fraco, inseguro…
preferiu renunciar

  • Você sabia …
    que depois de ler em meus olhos a emoção,
    sentir em meu ser a ternura,
    partir seria impossível,
    seria tortura.