Um Grego Antigo de Hoje (Tradução de Manuel Resende)
Durante dois meses a fio praticamente não nos separáramos e a única coisa sobre que não nos tínhamos pegado era a política. Mas talvez o melhor seja começar por explicar como o conheci.
Estávamos no Verão de 1968. Nessa época, se ainda há quem se lembre, os gregos do exterior pugnavam por convencer os estrangeiros a repudiarem a Junta evitando vir à Grécia passar férias. Quero dizer, em certos círculos reinava um espírito de hostilidade para com os turistas que, sem se preocuparem com o que os gregos sofriam sob o jugo tirânico dos coronéis, vinham cá gozar o mar e o sol, tal como o cliente duma prostituta satisfaz o seu capricho sem se interessar pelos sentimentos e padecimentos pessoais dela.
Certo meio-dia, portanto, ouvi tocar à campainha de casa – nessa época vivia junto ao Estádio -, fui à porta, abri-a e dei de caras com um estranho que trazia na mão um livro meu recentemente publicado em França.
Apresentou-se, disse-me que vinha da parte de um amigo comum, o qual lhe dera a minha morada mas, infelizmente, não o meu número de telefone, por não o ter, pelo que se vira forçado a aparecer sem se anunciar, esperando, dizia, não incomodar.
Mandei-o entrar, sentámo-nos, e perguntei-lhe que era feito do nosso amigo, se ele vinha também à Grécia nesse Verão, ou não. O Anatole – Anatole d’Albert era o nome do visitante – respondeu que não, não vinha, primeiro queria ver como evoluía a situação política e, aliás, andava com muito trabalho, as pinturas dele e…
– Sim – respondi – eu sei. – E o senhor, como resolveu vir?
O Anatole, agitando, embaraçado, o livro que ainda não largara da mão, respondeu que desde o tempo em que ainda era moço sonhava vir à Grécia,
que tinha viajado por todo o mundo por conta da firma…
– Firma?
Uma empresa de pneus, explicou, e este ano pela primeira vez em vinte anos não era obrigado a conciliar o útil com o agradável, e etc. e etc… Ficámos a tagarelar bastante tempo e quando se levantou para se ir embora, pediu-me que lhe escrevesse uma dedicatória no livro – e o meu número de telefone. Escrevi, incluindo o número pedido ao fundo da página. Esperava, disse ele, ter o prazer de voltar a ver-me, e eu levei-o à porta da rua, “também eu, também eu” – repliquei, mas cá por dentro amaldiçoava o amigo de Paris: estava muito enganado se pensava que uma identidade de preferências sexuais bastava para que duas pessoas se dessem, e ainda por cima enviara-me esta curiosa criatura… Se a criatura telefonasse, eu arranjaria pretexto para lhe escapar. Mas isso era não contar com o Anatole.
Naquela mesma noite – noite, mas bem noite, isto é, passava das duas da manhã -, deitara-me eu há já algum tempo e preparava-me para largar o livro que estava a ler e apagar a luz, tocou o telefone. Que estranho, disse com os meus botões, quem é que poderá telefonar a uma hora destas, e levantei o auscultador com disposições belicosas, mas logo à primeira frase ouvida fiquei desarmado. – 37.ª Esquadra de Polícia… Oficial de Serviço. O senhor…
– Sim – respondi – que se passa? E fiz um rápido cálculo mental: 37.ª… Que bairro? Kalithéa, Tzitzifiés? O coração batia-me fortemente, mas as frases seguintes sossegaram-me.
Kóstas Takhtzís