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Category: Contos de Ficção

O medo (1882) A J. K. Huysmans (Tradução de Ana Cardoso Pires)

O medo (1882) A J. K. Huysmans (Tradução de Ana Cardoso Pires)

Subimos à coberta depois do jantar. Diante de nós, o Mediterrâneo não tinha um tremor em toda a superfície, que uma grande lua calma fazia brilhar. O grande navio deslizava, atirando para o céu, que parecia semeado de estrelas, uma enorme serpente de fumo negro; e, atrás de nós, a água muito branca, agitada pela passagem rápida da pesada embarcação, castigada pela hélice, espumava, parecia torcer-se e revolvia tantos brilhos que se diria a luz da lua em ebulição. Estávamos…

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O Nosso Jardim

O Nosso Jardim

Resolvo tudo através da discussão. Desde sempre. Não conheço outro sistema. E não se entenda por isto que são discussões construtivas, fórum aberto, tipo vamos lá trocar de opinião para ver se chegamos a alguma conclusão. Não. São discussões acaloradas, animosas, atingindo às vezes níveis de violência impensáveis. Sou eu contra o obstáculo, inimigo sem identidade. Descarrego energias empilhadas, alimento ódios e raivas várias. Sem razão aparente. Exponho sem pudor a frustração que não agarro, exibo o lado mau com…

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O Passa-Paredes (Tradução de José Lima)

O Passa-Paredes (Tradução de José Lima)

Havia em Montmartre, no terceiro andar do 75-A da Rua d’Orchampt, um excelente homem chamado Dutilleul que possuía o dom singular de passar através das paredes sem o menor incómodo. Usava lunetas, uma pequena barbicha preta, e era funcionário de terceira classe no Ministério dos Registos. No Inverno ia para o emprego de autocarro, e quando chegava o bom tempo fazia o trajecto a pé, sob o seu chapéu de coco. Dutilleul acabara de entrar no quadragésimo-terceiro ano quando teve…

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O Rato

O Rato

A história que vou contar não se passou comigo, mas com um amigo meu que vive na Dinamarca. Não a posso imaginar aqui porque o seu principal personagem, um desratizador profissional, se não estudou numa Universidade que se poderia chamar Andersenrat, assim parecia. Quando eu andava no colégio, havia à porta da “casinha”, ou seja, da casa de banho, uma freira velhíssima que compunha terços quebrados e possuía um diploma de cerzideira de meias atribuído na Suíça. São países dum…

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O Sino de Atri

O Sino de Atri

Acabo de ler um conto de Aquilino Ribeiro intitulado “O Bombo”, a história de um cavalo tratado sem justiça por um dono bruto, que por sua vez cedo se encontra também sujeito a circunstâncias difíceis num sistema cruel e injusto onde a justiça é paga pelo preço da virtude onde quem é rico toca o bombo e que é pobre se torna nele. O Conto fez-me lembrar de um outro conto escrito por James Baldwin também sobre o tema da…

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O Sorriso

O Sorriso

Na praça da cidade, a fila tinha se formado às cinco da manhã com os galos ainda cantando nos campos cobertos de geada, e não havia fogos acesos. Em vários lugares, entre os prédios em ruínas, alguma neblina havia permanecido, mas agora, com as luzes das sete da manhã, ela se dissipava. Lá na estrada, em pequenos grupos, mais pessoas estavam se reunindo para o dia da feira, o dia do festival. O menino, ainda pequeno, estava imediatamente atrás de…

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O Turista Acidental

O Turista Acidental

Harry colocou o jantar no microondas para esquentar. Ao ligar o forno, uma dor terrível no dente o fez arrancar bruscamente o cabo da tomada. -Não pode ser!- Acabara de voltar do dentista, mas não conseguia lembrar de nada. Fora dopado, por certo. Ouviu ruídos na porta da frente, derrubou o copo de cerveja e saiu como louco pelos fundos. Correu para a lavanderia, lá tinha uma caixa de ferramentas. Procurou desesperadamente um alicate e colocou um pedaço de espelho…

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Plume

Plume

I No balcão do bar as garrafas dançavam com os respectivos copos compassadamente. De vez em quando o barman – neurótico e magrinho – puxava do bastão de baseball e partia tudo só para poder limpar. Tentava fazê-lo o mais silenciosamente possível. Não gostava de incomodar a clientela. O sítio era engraçado e acolhedor. Chamava-se Plume porque não havia nome melhor. Sentado na única mesa que, aliás, lhe estava sempre reservada, Leon Sibierski espremia a sua esferográfica para uma folha…

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Prosa Imprevista

Prosa Imprevista

Chi! Macolorido no seu íntimo acolhimento, catadura de gingona. Dizia um dos meus vizinhos e convizinhos da formatura aparentemente agastado pela incontinência das palavras à guarda do mutismo sigiloso onde as ignóbeis criaturas normalmente não ligam. E como observador exigente quis acreditar vendo. Sorvei um gole de coragem para vigorar o espírito desvelado de sonhadores disfarçados, libertando a atenção às fofocas. Torci o olho à taxia dos factos e eis a pluralidade do esplendor que até trazia em claro as…

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Reflexões de uma Galinha

Reflexões de uma Galinha

 – Irineu! Ô, Irineu! Tá na hora de acordar e acordar os outros, também! – diz dona Carijó. Irineu e Carijó. Esses eram os nomes do galo e da galinha do Rancho Alegria, cujo dono era o jovem Manoel. Irineu não foge à rotina: sacoleja e depois ajeita as bonitas penas. Lava os redondos olhos. Escova o duro bico amarelo. Apruma a respeitável crista. E, finalmente, o principal: faz o sagrado e necessário gargarejo – mistura de água e sumo…

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